23.3.05

Fragmentos da sabedoria apagada




** A lua cheia sempre foi lua de lobos, até as cidades forjarem a sua ignóbil treva iluminada. E os lobos são companheiros baços, símbolo do que em nós não soubemos sentir como nosso, mas não pudemos também sentir como inteiramente alheio. Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele, diziam os antigos, e na Bíblia lêem-se as palavras que deram título a um dos mais belos livros do mundo: "cuidado com o lobo das estepes", o que quer dizer cuidado connosco, cuidado com o que de nós só sabe despertar ao anoitecer. Por isso, vós que como eu andais em busca da lua cheia, sabei que não há lua que não seja de lobos, nem lobo que não ande a rondar. E por isso cuidado quando quisermos andar na lua. (O livro é de Hermann Hesse, e chama-se O Lobo das Estepes, precisamente...)

** Muito haveria a aprender nas antigas histórias sobre a aliança - e a inimizade - entre o lobo e a raposa.

** Na astrologia medieval, certas configurações estavam associadas ao lobo - por exemplo determinadas posições de Marte (a força, a energia) que na linguagem psicológica actual se traduzem por sentimentos reprimidos. Os Antigos estavam mais habituados do que nós a vigiar os vulcões adormecidos. E, já agora, saibam alguma coisa sobre uma estranha doença chamada LUPUS: não, não há coincidências. Os símbolos falam a todos os que querem ouvir.

** Para quem queira pensar, nestes tempos de Páscoa, no mistério da existência do Mal, recomendo um filme suave: A Companhia dos Lobos, de Neil Jordan. E saberão porque é que foi pena abandonar as antigas crenças. (entendam-me bem: não é o Lobo que é o Mal. Se não entenderem isto, não entenderam nada...)

** Uma vez, com onze ou doze anos, tentei imaginar uma história de terror. Numa certa alcateia de lobos corriam estranhas lendas: nas noites de lua nova alguma coisa acontecia, e dizia-se que lobos perdiam o pêlo e corriam pela floresta transformados na terrível raça chamada Homem...



[iluminura do séc. XV:
Gaston Phebus, Le Livre de La Chasse]