22.2.08

Contos da janela que brada


Trata-se (e é isso que é uma pena) de ser tudo ao mesmo tempo.

Sabendo bem que no fim não seremos nada.

Trata-se (e é isso que é fascinante) de seguir todos os caminhos, sabendo bem que só podemos seguir um de cada vez. Trata-se de viver como se fôssemos imortais, e de viver como se só tivéssemos uma vida, e viver como se não tivéssemos já mais vida nenhuma.

Trata-se de ficar quieto e de ir a todo o lado. De escolher só aquilo em que falhamos, porque falharemos tudo de qualquer modo. De antecipar todas as derrotas, todas as distâncias, todos os silêncios. Talvez de não-ser o mais possível, como se recuássemos sempre até à sombra maior, até ao grito maior. De dar. De perder e de nos perder, pois que ganhar é coisa que o mundo não sabe.

Trata-se de não ter lógica nenhuma. De FRIAMENTE não ter lógica nenhuma.

[forum privado, Primavera de 2006]


13.2.08

Dead can dance

- Marinheiro do mar morto,
porque andas a navegar?
- Nasci num barco sem porto,
quero só morrer no mar.

- Marinheiro do mar alto,
fazes-me falta no mar...
- Já não sou eu que te falto,
falta-te só embarcar.

- Marinheiro do mar fundo,
ensina-me a ser assim...
- Quando a morte for teu mundo
é que hás-de chegar a mim.

Casimiro Ceivães (1912-1931)


Hei-de uma noite contar esta história, e nessa noite só comigo hei-de eu contar.

Era uma vez um mundo que apagava os homens, e era como se as coisas não fossem senão cinza e pó. E era uma vez o homem que acendia os mortos, e nem aos anjos coube tarefa igual: na noite acesa os mortos dançam, tão branca a sua dança de luz.

(Criatura é o meu nome, cantou a estrela polar)

Sim, nessa noite hei-de ser o vermelho e o roxo, hei-de ser a voz calma e o gesto inteiro: contar esta história só se pode assim. E nessa noite a noite hei-de ser.

A morte, segredo dos mundos. "Era uma vez uma história em que eu tinha morrido", alguma vez dançaste num mundo assim? Alguma vez paraste a ouvir? E na verdade a morte é a coisa mais simples; mas para que voar seja simples faz-te, antes, falcão.

E, sabes, eu não acredito nas histórias tristes. Tristes são só os olhos que as temem.

(Terror é o meu nome, gritaram os anjos velhos)

Sim, uma noite hei-de contar esta história, a minha história com princípio e fim.

7.2.08

Uma história para crianças



One, two, three, four,
life is pain and nothing more.

Five, six, seven, eight,
only Death can celebrate.

[de uma canção infantil de Gothland]

Midnight lowered her head. "Then what happened?"

"I spent eight years on the road, using my skills to indulge the one passion I had cultivated since I had been a boy: travel. But wherever I would go, people were the same.Poverty and inequality were as widespread as luxury and splendour. I had hoped to find fellowship and equality: instead I found pettiness and exploitation. Somehow I thought I would escape the betrayals of my youth and find a place where honesty and decency prevailed, but no such place exists. Not in this life."

Midnight hung her head. "I'm sorry for your pain."

Cyric shrugged. "Life is pain. I've come to accept that. But don't pity me just because my vision is clearer than yours. Pity yourself. You'll wake to the truth soon enough."

Scott Ciencin, Shadowdale

(- Não tenhas medo, disseram os marinheiros mortos.
Nós somos a dança do mar.)

[pintura: Caspar David Friedrich, navio naufragado ao luar]