21.11.08

Por hoje

"Clair de Lune", de Claude-Joseph Vernet (1714 - 1789), pintado em 1769

"O luar é a saudade das coisas; a saudade é o luar das criaturas"

Teixeira de Pascoaes



As coisas são o que são, são inteiramente o que são, dizem os filósofos alemães: estão aí simplesmente, e nesse estar está tudo o que elas contém. E por isso, dizem eles, um homem não é uma coisa, um poema não é uma coisa.

Estranho, porque há luar na Alemanha, e tantas vezes os seus pintores o pintaram, tantas vezes os poetas o pintaram. Mas talvez os filósofos alemães andem com o nariz mergulhado em livros grossos e pensem que a janela serve para ver as horas no relógio da torre da igreja. Talvez não tenham dado por ela. No luar as coisas estremecem; no luar as coisas gritam de mansinho tudo aquilo que realmente são, a que os nossos olhos quase chegam, as nossas mãos quase chegam. Cada coisa grita que é uma janela aberta para um mundo tão vizinho e tão maior, o mundo da verdade guardada e aguardada pela beleza, pelo terror da beleza. Sim, o luar é a saudade das coisas.

E sim, na minha saudade eu sou inteiramente o que sou, simplesmente aqui como uma coisa posta no mundo. Na saudade sou luar das minhas noites de dentro.

Não há tempo que não seja de rosas e de vampiros. Não há luz que não a da Lua. Não há verdade que não se resguarde na beleza mais frágil.

9.11.08

Transparência




Meus olhos fáceis, que vedes
tanto além do que sei ser...
Fui barca, vós fostes redes,
não vos soube inda colher.

Meus olhos claros, cansados,
a que quereis olhar ainda?
na noite em que andais fechados
a lua vejo-a mais linda...

Meus olhos simples, fechai-vos,
de que serve andar a ver?
não olheis mais, resguardai-vos:
ver muito é tudo perder.

Meus olhos nítidos, certos,
meu rosto diz-vos adeus:
traz-vos o mundo despertos?
Sois dele, então - não sois meus...

Meus olhos velhos, é tarde...
vinde agora ver-me a mim:
dizei ao mundo que aguarde,
que ides só ver o meu fim...

Dizei-lhe que não demoro,
que esta é a última vez;
que estou velho, já não choro,
ficareis livres os três...