23.11.06

Stand by me



"não é porque duas nuvens se encontram que o relâmpago surge; é para que o relâmpago surja que duas nuvens se encontram"

(da kabbalah dos judeus)

"É preciso que (...) entreguemos tal homem a satanás para a perda da sua carne, a fim de que o espírito seja salvo no dia do Senhor"

(primeira carta de São Paulo aos Coríntios)

"J'ai vu la Reine. Elle était si belle qu'elle faisait peur."

(Jean Cocteau, em L'aigle à deux têtes)

...

E aquilo que no meu dia não passou por estas coisas não teve importância nenhuma.

14.11.06

10.11.06

Rosas

Vale mais o dia da morte do que o dia do nascimento, diz o Talmud dos judeus. Ou pelo menos a Eliette Abécassis, no livro que ando lendo, conta que se lêem no Livro essas palavras tremendas.

Valem as coisas quando acabam, vemos as coisas quando aos olhos não chegam mais. A música, a insuportável beleza da música: ouvimos, e já não há o que ouvimos; dançamos, e o gesto derrama em nós a saudade permanente do gesto (a forma irrepetível das nuvens).

Tudo me será dado no mundo, menos saber a minha própria morte. Ver-me a mim como coisa a acabar. Por isso nas coisas que amo é o fim delas que eu amo, é o fim delas que me principia. Sim, coisa que não é terra nem mar.

Ontem escrevi, e pensei que estaria bem se a ribeira parasse: fim. Se parasse eu ali com ela. Não sei se sei morrer. Não sei ser o mar, a parada dança das ondas (quantas ondas tem o mar, dizia o meu avô velho, quantas vezes a mesma onda bateu)

Não parou a ribeira, não parei eu. Vejo e ando e sinto e penso e a essa coisa se chama vida, e dela se diz que é como o rio a passar. Mas o rio tem margens, e margens não sei em mim (anda o Porto a fazer-me falta, anda-me o Douro a chamar)

Ontem era talvez o fim, as rosas.

[pintura: o dia da morte, de William Adolphe Bouguereau]

Fim
"uma espécie de céu, um pedaço de mar..."
Pedro Abrunhosa

Coisa feita de pedra e água, quando te penso és como eu sou. Caminho de lugar nenhum, azul que não sabe ser.

Coisa feita de aguardar. Mar a bater. Inúteis as ondas, o ferro nascido para guardar sonha até ao fim o homem que o justifique. Ausência longa dos pássaros.

Quando te penso és como eu sou, coisa que não é terra nem mar. Se eu fosse um deus menor havia de estar ali um piano, havia de haver um anjo de asas salgadas. Se eu fosse o mar. E a pedra, o altivo gesto da pedra.

Batem as ondas sem falar, escrevo agora como se fosse dormir. Há um piano junto a mim, nas notas simples a distância que vai daqui à perfeição dos mundos. Se eu fosse alguém não era eu. Sou feito de água a escorrer, memória.

Coisa feita de pedra e água, quando te penso sou como eu sou.

6.11.06

Encore



" - Se eu não for eu, quem o será?"

[pintura: Caspar David Friedrich, outra vez]