24.2.06

No Maré Negra, um bocadinho de uma entrevista do escritor espanhol Arturo Perez-Reverte. Ao jornal O Independente de hoje. (espero que o jornal se não zangue comigo)

22.2.06

Terceira vida, coisas pequenas
Dentro de um mês o sol entra no signo do Carneiro. Renovação da Primavera: pouco depois fará a Ribeira dois anos, farei eu uns impossíveis quarenta e quatro. E vou entrando na minha terceira vida, eu que ainda nem aprendi o que a primeira me vinha ensinar.
Gostei muito da primeira vida que tive. Começou quando nasci, ou talvez viesse um pouco de trás. Várias vezes contei aqui histórias dessa história: a casa de pedra e de buganvílias, a janela que dava para o muro onde havia gatos e fantasmas, a criança sossegada que sabia que as coisas grandes estavam nos livros, que os crescidos eram só uma coisa a passar. Tento voltar a essa vida quando me escrevo em coisas mais tristes, tento voltar a sentir a pedra e o céu. E não acredito que o Douro tenha ficado tão longe.
Da segunda vida gostei menos, e dela pouco sei falar. Não sei bem quando começou, há coisas de que mal me lembro: desassosseguei-me calado, vivi só de andar parando na espera. Casei aos vinte e dois anos, e guardo a recordação de um dia de não chorar; enamorei-me aos trinta e cinco, e soube que a noite não nos deixa mentir. Fiquei quieto a olhar o tempo como se o tempo fosse o rio maior. Soube que havia outras pessoas no mundo, e isso talvez me tenha feito mal.
A terceira vida não sei o que possa ser, ando nela como se andasse a acordar. É estranho pensar que quase de certeza já passou muito mais de metade de tudo, que as coisas que não fiz talvez já as não venha a fazer. É estranho ser esta mistura de criança assustada e de corpo que já não será forte, perceber que os crescidos são mais novos e que as outras crianças cresceram demais. Mas vou gostar muito desta vida que tenho. Pela primeira vez não espero nada, nem a verdade dos livros nem a intimidade das almas. Deixei de chamar os anjos e de temer os demónios, e talvez seja um mau caminho; sei o que quero e que muito do que quero não vou conseguir. E há-de haver coisas de que não estava à espera. Vou fazer quarenta e quatro anos e de momento vivo em Lisboa, e de momento vivo. Já devo ter feito coisas pela última vez. Há-de haver coisas que ainda hão-de ser a primeira.
E todas elas são coisas pequenas.

20.2.06

Vi-me lentamente.
Vi-te lentamente.
Violentamente.
"O que me faz escrever, imagino eu, é o receio de enlouquecer"

georges bataille

16.2.06

Outro meio-post . Não me meto noutra.

15.2.06


Veneza

Nunca fui a Veneza e não sou capaz de querer ir. Gostava tanto. Mas não gosto de mim o suficiente para receber o beijo das águas, o lento abraço da pedra. A Veneza só podia ir se comigo levasse já Veneza inteira.

Parece estranho, não é, mas não sei ter coisas de fora. Não tenho amigos nem namoradas nem saudades nem ideias nem esperança. Não, não é isso em que estás a pensar, não tenho. Há amigos sim, e a namorada ou a ausência dela, e a esperança e as ideias, há até a saudade também. Tudo isso eu sou mas nada disso eu tenho. Nunca tive mais que o nunca ter.

Sou às vezes igual a alguém, às vezes coisa calada. Às vezes sou uma história que não tem princípio nem fim, ilha inútil onde ninguém há-de andar. Sou. Isso sei que sou, e não sei se sou mais que esse saber tão grande. Sou as coisas todas que me tiveram, as palavras em que toquei, os gestos que me disseram. Guardo coisas como se guardasse rebanhos de chuva. Perco coisas como se a noite caísse em si. Mas não tenho, e nunca tive, o sentimento de ter coisa alguma, nem sequer o de ter sentimentos. Vejo-me ao ver o mundo, como se fosse eu a água e ele o reflexo de um outro mundo em mim. E que seria de mim se em Veneza fosse igual a ela, fosse ela uma coisa que me tocasse baixinho. Que seria de mim sozinho em Veneza, e à minha volta a pedra e o seu amor quieto pelas águas mortas. Já é tão dificil ser isto que sou num mundo em que há Veneza, em que há o a Veneza nunca ter chegado a ir. Já é tão difícil.

Gostava de ir a Veneza como se fosse uma maré baixa.

12.2.06

Se interessar a alguém, fiz meio post no Maré Negra

7.2.06

O mesmo poema

É dificil escrever assim, tão dificil. É dificil ser sempre dois, juntar as coisas que em mim separam. E nestes dias tenho andado tão triste.

Tenho que escrever aqui uma coisa só minha, hoje é tarde e hoje não pode ser. Acabo de escrever uma carta grande (um e-mail) e tudo se apagou no fim. Vi um filme em que eu entrava e não sabia que entrava. Tenho que falar de coisas que se passam no mundo à minha volta. Tenho que fazer tantas coisas e só queria ficar calado. E quieto.

Amanhã se puder regresso ao meu outro blog, o Maré Negra, e escrevo alguma coisa sobre as conversas que fui tendo em vários lugares sobre o casamento e a "homosexualidade" e o amor e deus e os contratos, eu que não queria falar muito de nada disso (prometi à Zazie, num post ali em baixo, e o que li noutros sítios não me deixa fechar os olhos). Aqui na Ribeira hei-de escrever a mesma coisa por outras palavras, por palavras que não são para mais ninguém. Não tenho tempo para fazer mais, e não tenho forças para fazer menos.


Escrevemos sempre o mesmo poema, dizia-me uma amiga há dias. Pois. E calamos sempre o mesmo poema também.

5.2.06

Viagem ao fim da noite (I)



No Gotika, por estes dias:

gotika said...
Mas ó Gold, eu nunca me metia numa missão dessas. Tenho perfeita consciência de que não é missão para mim porque não tenho o mínimo jeito para infiltrações em território inimigo. Agora sou eu que pergunto, qual é a parte que não percebes? Era muito mais provável que quem estivesse preso e a precisar de libertação fosse eu. Não é um erro de racíocinio, é uma constatação. Erro seria pensar que eu era capaz dessa missão. Erro estás tu a cometer ao julgar-me capaz dessa missão. Compreendes? E se compreendes, como é que me colocas em situação tão absurda?... ?
4/2/06 22:51

Não sei se a Gotika deu por ela, mas isto que disse é aquilo que desde o princípio do mundo dizem os homens quando as coisas ou o destino ou o deus vivo lhes colocam pela frente um caminho grande. E eis aqui, em poucas palavras, o fundamento inteiro das coisas.

Acho que pelo menos os meus amigos católicos e os meus amigos que gostam do Tolkien vão entender o que quero dizer com isto.

[ilustração: para as obras de Tolkien, claro]

1.2.06

Antigo comment no blog "o outro eu de mim mesma".

Pois. Há coisas do arco da velha. Mas a reivindicação dos direitos passa pelo uso consciente dos direitos. Se um casal pretender contrair casamento e for impedido por uma lei de o fazer, EM CONTRADIÇÃO COM O PRINCÍPIO DE NÃO DISCRIMINAÇÃO CONSAGRADO NA CONSTITUIÇÃO, deve solicitar o acto ao funcionário competente, exigir o registo escrito da negativa e recorrer aos tribunais por forma a que o Tribunal Constitucional se pronuncie. Ficaremos a saber, com a sua decisão, o que na realidade diz a Constituição. Quando não, fica-se dependente da flutuação dos políticos em campanha. Taking rights seriously, dizem os americanos, e a não discriminação aprenderam-na eles na pele (nos vários sentidos desta palavra). Mas preferimos não exercer os nossos direitos, para poder não cumprir as nossas obrigações. E temos pela lei um respeitinho característico dos países que cultivaram o mito do Poder Absoluto. Um mês de actuação cívica, e o aparelho de (in) justiça implodirá. E isto não é só para o LGBT. Goldmundo 27-06-2005 08:52:58

E pronto. Parece que será hoje.