30.3.05

Les jardins sauvages (I)



As pessoas mudam de sítio, as pessoas até morrem,
as pessoas simplesmente mudam. Podem nunca retribuir o nosso amor.
Amar é perigoso. Então, o que se faz?
Fecha-se o coração e vive-se em estado de autosufiência
ou aceita-se o perigo de braços abertos?


Gotika, 28.03.2005


and so it is
just like you said it would be
life goes easy on me
most of the time
and so it is
the shorter story
no love no glory
no hero in her skies
i can't take my eyes off of you
and so it is
just like you said it should be
we'll both forget the breeze
most of the time
and so it is
the colder water
the blower's daughter
the pupil in denial
i can't take my mind off of you


Damien Rice, The Blower's Daughter


Gosto do último momento do dia,
e do último momento da noite.
Gosto mais dos fins do que dos princípios,
e cada vez mais para mim os princípios
são apenas o prefácio da história
que o fim nos vai contar.
Mas as despedidas podem ser cruéis.


Goldmundo, 27.03.2004


Pois é, Gotika. As coisas vão sempre embora, e bocados de nós vão agarrados a elas quando nos esquecemos de as largar. Por isso se disse sempre que o mundo, que é feito de todas as coisas, é como um rio grande, ribeira negra que não devolve os corpos mortos que alguma vez apanhou.

E, sabes, nós vamos embora também - coisas pequenas que somos, largadas tão cedo no mundo enorme. É raro pensarmos nisso (eu sei que pensas). Mas somos folhas de outono, e o mais que podemos fazer é dar forma a essa lenta queda a que chamamos vida - da árvore tão alta de onde nos atiraram ao nascer até ao chão onde o resto da noite dormiremos; e podemos dar-lhe a forma de uma dança libertada, ou a forma de uma solidão satisfeita e morta. É só escolher. Podemos ouvir os sensatos, aqueles para quem nunca as árvores dançaram, e ser sempre a folha por escrever. Podemos ganhar a forma verde do medo (como se não fosse sobre o verde que o sangue sabe brilhar melhor). Podemos dar-nos a forma de um templo. Ou forma nenhuma. Podemos falhar. Mas só não somos livres de o não ser.

Os outros vão embora, sim. E tantas vezes nos enganamos a nós mesmos, com a ideia de que estamos aqui desde que nascemos, e só os outros são os barcos andados, e só nós o porto igual... Mas tu sabes que não: sabes que estamos todos, sempre, sozinhos no alto mar. E sabes que não adianta buscar portos de abrigo.

E haveria, Gotika, de ser diferente com o amor, que é o que há de mais trágico no mundo e na vida, porque é a coisa maior que o mundo e a vida têm para nos dar? Só por ser a mais frágil das coisas, a que mais facilmente nos prende ao que não foi mas podia ter sido? Haveria de ser diferente com o amor que, por isso mesmo que é do tamanho da vida, é o que nela há de mais igual à morte verdadeira? De que perigo falas tu, que não seja o perigo de não amar ninguém?

Mas era bom, dizes tu (dirás?), que pelo menos o amor tivesse o cuidado de não partir. Para nos não partirmos a nós com ele. Que tivesse o cuidado de ficar inteiro. Para não ficarmos nós depois dele, tão inteiramente vazios. Que tivesse o cuidado de nos levar embora também. Que fosse, se não quisesse ser mais nada, um vento tão solto que não deixasse as folhas mortas pousar no chão.

Talvez haja mais alguém a pensar no que perguntaste. Não há comentários no teu blog. No meu, cada vez mais, só comentários vão ficando, porque cada vez mais ando a fingir que não estou calado. Não sei se queres saber o que é que acho. Gostava de saber dizer três frases curtas e partir para outra com este assunto arrumado (a shorter story?). Eh bien. Se tivesse a resposta pronta talvez não estivesse aqui, porque melhor que escrever sobre o amor, ainda que bem, é vivê-lo, ainda que mal. Mas tenho comigo os caminhos para responder. Para responder a mim mesm@, aproveitando teres sido tu a perguntar, e este blog não ser o teu. Para contar a história do amor verdadeiro, que não é o amor a uma pessoa, mas o amor aos jardins selvagens que nela há.

Talvez possa continuar amanhã.


[as mãos esculpidas são a Catedral, de Auguste Rodin]