15.6.05

Meditação sobre o olhar tão puro



Que um anjo entrasse, não foi (entendes)
o que a fez estremecer. Não mais do que outros,
que quando um raio de sol — ou quando à noite a lua —
o seu quarto invadem, se não sobressaltam,
ela não era feita para se perturbar
com o aspecto que um anjo à entrada revestisse;
e mal pressentia que tal forma
era incómoda aos anjos.

(oh, se soubéssemos
como ela era pura. A lagarta que um dia ela viu,
repousada, na floresta, não foi tão penetrada
pelo seu olhar que em si se engendrou o unicórnio,
o animal feito de luz, o animal puro?)

Que um anjo entrasse, não, mas que para si tão perto
se inclinasse o rosto adolescente,
e que assim o seu olhar, e aquele
que ela levantou para ele, concordassem,
como se de repente tudo fosse vazio,
e o que vêem, buscam, levam em si milhões de homens
concentrado nela: ela somente e ele,
a visão e o visto, o olhar e a alegria do olhar
em nenhum outro lugar senão aqui: vê!
isso faz medo. E ambos estremeceram.

Então o anjo cantou a sua melodia.

[pintura: a Anunciação, de Dante Gabriel Rossetti.
Poema: Rainer Maria Rilke, poemas a Maria (tradução ad-hoc)]

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

gostei do teu poema. Cheguei aqui depois de ver os teus comentários no "confessionário". Continua a deliciar-nos com os teus poemas.
www.padre-inquieto.blogspot.com

16/6/05 12:22  
Blogger DM em Caracas said...

Também cheguei aqui pela correção no confessionário (obrigado!) e gostei muito do blog.
E nós? Como é que ficariamos se de repente um anjo nos entrasse pelo quarto adentro e nos pedisse a maior mas também a mais difícil missão do mundo?

16/6/05 12:44  

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