4.6.05

As armas do Papa Bento



Não, não são pistolas nem canhões, essas são as armas do Império e do Imperador George. São as armas que Joseph Ratzinger escolheu, como é tradição no Vaticano, ao deixar de ser simplesmente Joseph Ratzinger para se tornar Benedictus XVI, sucessor de Pedro, bispo de Roma, pontífice, servo dos servos de deus, e tantas outras coisas que se calhar não pressentimos. Que distância do mundo, não é? Não são em fuchsia ou em verde-vivo, não têm a frase "deseja tudo, consegue tudo", não têm sequer bonequinhos pseudo-amorosos de olhos fora de órbita e língua de fora. Até o chocapic é mais parecido connosco nessas coisas. E é por isso que eu gosto do Papa, é por isso que não gosto do mundo. Um dia contarei as minhas armas também.

Três símbolos antigos, mais de mil anos para cada um. O primeiro é alemão, e antes disso talvez fosse das regiões a que agora chamamos "médio oriente": a cabeça negra do rei, como negro era um dos Reis Magos. Não é uma apologia do anti-racismo, não se trata de evocar o temível Chaka, Rei dos Zulus. A cabeça é negra como negras são tantas imagens antiquíssimas da Virgem e da Deusa Ísis que a antecipou: "nigra aut non nigra", negra e no entanto não-negra, negra porque queimada pelo sol impiedoso da luz verdadeira, a luz abrasadora do deserto. O primeiro símbolo fala-nos de morrer, mas de um morrer que atinge o corpo queimado para que o espírito e a alma se coroem, pois é a alma que é real.

O segundo símbolo é italiano, e antes não sabemos se nasceu do Mediterrâneo tão azul. O urso albardado como se fosse um cavalo. Uma lenda antiga conta que um santo (precisamente chamado Bento, mas não era o S. Bento a que estamos acostumados) se dirigia para Roma, tinha coisas importantes a dizer ao Papa, talvez dizer-lhe que se não andava a portar bem. Ia montado num jumento, como Cristo a caminho dos dias do fim. E da floresta apareceu um urso, e o urso atacou e matou o jumento do santo. "Urso, que fizeste tu?", disse Bento, "como vou agora chegar a Roma, chegar onde deus acha que eu devo ir? tem paciência, urso, eu sei que tu estás habituado à floresta e à liberdade da floresta, e que mataste porque não sabias a verdade. Mas agora tens de me ajudar." E o urso baixou-se, e a sela do jumentinho ajustou-se perfeitamente às suas costas tão fortes, e Bento trotou para Roma como se fosse o Senhor das Florestas. E sim, diz-nos este símbolo, não dividas o mundo muito depressa em coisas boas e coisas más. Andamos todos ao serviço de uma coisa maior, e ainda bem que assim é.

O terceiro símbolo é a vieira de Santiago, o símbolo dos peregrinos, e antes de o apóstolo ser invocado na minha Galiza cercada por árabes e vikings a concha era o símbolo das divindades da água que faz renascer. Estamos perto de Compostela, não é preciso dizer muito mais. A não ser que caminhar é sempre o melhor caminho.

Gosto deste papa, sim. Gosto de histórias antigas, de símbolos, de coisas que nos falam de outras coisas. Gosto daqueles que criam as suas próprias armas, e que se mantém fiéis à divisa que escolheram. Também gosto de cerejas, e não estou a mudar de assunto.