(para quem goste de cuscar estas coisas: seguimento de um post de 21 de Abril. O mundo é estranho. Três pessoas que não podem estar combinadas - não sou assim TÃO paranoico - vieram perguntar-me se sou gay. Fui reler. Terá sido por gostar de diospiros?)
1. Tenho horror àqueles bonecos italianos, arlequins ou lá como se chamam. Os pretos e brancos com lágrimas. Preferia dormir num quarto assombrado a dormir junto daquilo.
2. Só houve até agora uma coisa que não consegui comer: angulas. E era um jantar de cerimónia. Angulas são uma espécie de minhocas que se apanham nos rios do Norte e da Galiza (não sei se para as bandas do sul também as há), e que se vendem a peso de ouro. Ficas a olhar para um prato com minhocas brancas fininhas COM OLHOS.
3. Não consigo rezar numa igreja moderna. É como rezar num cinema. Gosto de capelas de aldeia, ou de grandes igrejas antigas, escuras e vazias, nas cidades. Penso que Deus não gosta de muita luz, nem de muitas cores.
4. Descendo de ciganos andaluzes, fidalgos galegos, camponeses do Minho e do Douro, marinheiros do Porto, índios da Amazónia e talvez judeus da Beira-Alta. Escolhi a Galiza celta como pátria adoptiva, porque é a mais irreal das terras do mundo. Mas em Paris, por duas vezes, fui abordado por homens tão escuros como eu: "frère, es-tu arabe?" ("irmão, és árabe?"). E sim, devo ser.
5. Sempre soube que o oposto de uma grande verdade não é um grande erro, mas uma outra grande verdade. Mais tarde encontrei esta frase (e esqueci-me de quem a fez). Mas isto é sempre um obstáculo à comunicação. Vivo no meio de pessoas que julgam que todos os outros devem estar errados, ou de pessoas que acham que ninguém pode estar errado.
6. Como a Clara (minha terapeuta) me ajudou a descobrir, no fundo de mim há um medo informe, como uma aranha que aguarda. Não sei ainda quem é esse eu aracnídeo. Uma noite enfrentá-la-ei.
7. Acho estranha a preocupação com "sermos nós próprios". Como se pudéssemos ser outra coisa.
8. Não sei porque é que as pessoas acham que sorrir é parecido com rir. É como dizer que amor é parecido com sexo.
9. Descobri, com grande surpresa, que deixei de odiar pepinos. Como julgava que ainda os odiava, não os comia há anos. Que desperdício. Que grande lição.
10. O Fernando Pessoa impossibilitou a poesia em Portugal. Quando tudo está dito, escrever mais só pode ser um narcisismo oco. Restam as pequenas histórias, as frases soltas.
11. Este ano quero atravessar a Espanha, devagar. Sentir o barro, as árvores, a lua em Aragão e os rios na Catalunha, os sinos das igrejas em Castela e o silêncio mágico da Galiza. Este ano quero dormir.
12. Gosto de saber coisas inúteis. Não tenho jeito para a mecânica. Só compreendo uma paisagem quando sei a sua história. Só compreendo uma pessoa quando invento a sua história. Gostava de ler já as últimas páginas da minha.
13. Gostava de ficar, quando morrer, num daqueles cemitérios ingleses feitos de relva e de cruzes e de estátuas de anjos. Possivelmente espera-me outra coisa. E gostava de ter, em vez de um elogio feito por um padre apressado, uma música que fosse igual ao que eu afinal tiver sido.
14. Sinto-me bem com botas, com sandálias, descalço. Os sapatos incomodam-me sempre.
15. Sei exactamente quem é a única pessoa que me permite um amor inteiro. Que importa onde está ela, onde eu estou.
16. Nunca se deve pôr açúcar no leite. Mesmo estando com gripe.
17. Rosas.
29.5.05
What kind of extraterrestrial are you? (Part 2)
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