13.5.05

Chegada



Talvez pudesses ter sido outra coisa qualquer, mancha fria na paisagem, voz indiferente ao meio-dia, não sei: talvez pudesse eu ter sido qualquer coisa. Mas és o porto de chegada, não fui eu que te inventei. Que pena.

E agora baixei as velas, já não sou feito de alto-mar.

Porto de chegada sim, e para trás a viagem e a descrença: como se as coisas não estivessem mais aqui. Não sei o que aconteceu, não tinha mapas que me trouxessem os teus olhos, não sei que ventos grandes me arrastaram. Já nem me lembro onde nasci.

Farol apagado ao longe, mas chegar não tem de ser estar abrigado, chegar não é mais nada que chegar. E sabes, também não trouxe comigo bandeiras de aportar, nem passaportes nem rosas. Nem aprendi a falar a língua do teu país, as trevas. Há-de haver perfumes e sombras e fogos e sangue a vibrar, canções vazias braços finos, mas não tenho de andar nas tuas vielas e nas tuas casas de sal, não tenho de provar o vinho ardente. Não sei desembarcar. Mas és o porto de chegada, e descansam ao leme agora as minhas mãos tão frias. Sim. Eu venho desse mar.

Não digas nada agora, não? Deixa que a noite embale a madeira apodrecida, os mastros. Não digas que há mais mar. Sim, somos filhos da noite maior, porto de chegada tão perto, tão longe o barco de dentro. Mas não me interessam as ilhas de ouro que talvez haja além de ti, não me interessa seguir as asas insaciáveis do albatroz, a tempestade a girar. Não me interessa nada mais.

Porto de chegada, e não tenho que saber das terras altas que és. A chama que me fizeste ser há-de-se fazer lenda dos marinheiros novos. Eu fico aqui. Para sempre.

[pintura: Turner, Slave ship]

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

E para que querias tu os meus olhos encastrados nos mapas da memória se não lhe notarias o brilho...

Há muito que te espero de mãos frias e agora vejo que nem as notas em cima das tuas, descansadas no leme à espera de rumo

Bebo o vinho para que notes o quente, para que olhes para o farol no momento certo em que se vira e nos tinge as pupilas atordoando-nos de uma luz logo mergulhada em treva... nessas alturas sinto sempre que o farol parou no movimento intacto de se fazer notar de um outro lado que não o nosso.

Estou cansada de esperar...

pedes-me uma ultima vez que me cale porque sempre ouviste dizer que no silêncio a carne murmura mais forte qual maré em tumulto à espera de ter paz.

Nunca te disse uma só palavra, não conheces o tom da minha voz, e por isso nunca aprendeste a língua do meu país.

Digo-te novamente em silêncio que estou cansada de esperar...

Esperar pela carne que não cede
esperar pelo vinho que não embriaga nem aquece

Estou farta de esperar por ti

Estou farta de ti!

farta!!!(meu amor)

e o porto de chegada é sempre longe...
dos mares que não são de cá!

e os marinheiros novos, esses, estão sempre no alto-mar, desfazendo as rosas que outrora me trouxeste...

13/5/05 12:49  
Blogger Goldmundo said...

( sorriso )

13/5/05 12:56  
Anonymous Anónimo said...

(outro)

13/5/05 13:23  

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