6.6.05

Trivial



"Sei o que quero e para onde vou" (Salazar)

"Aquele que sabe para onde vai não chegará muito longe" (Napoleão)

"...sei que não vou por aí" (José Régio)

Trivial, dizemos de coisas simples, coisas pequenas. Os romanos eram mais sábios: trivial era a conversa que se tinha nos momentos difíceis, nos momentos de escolher a estrada: conversa de caminhantes que se encontram na encruzilhada. Porque elas eram, nesse tempo, entregues à protecção de Mercúrio, o deus parecido com o Peter Pan, belo e adolescente, com sandálias aladas que lhe davam o voar tão ágil. Deus dos comerciantes, dos ladrões, dos viajantes. E portanto quem, senão ele, nos olharia na encruzilhada como olha aqui a estátua do deus impassível? Chamava-se trivia a imagem do guardador de estradas... e trivial passou a ser, portanto, a conversa entre desconhecidos que por instantes se cruzavam, descansando na sua sombra antes de seguir a viagem precisa.

Por isso te digo que é bom atentar nas coisas triviais. Não te deixam adormecer, e talvez te despertem para a presença de ladrões, para sinais de guerra, para o destino tão longe. Talvez te ajudem a escolher quando não levares guias contigo. E talvez escondam armadilhas, traições, falsos amigos. Presta atenção e, depois, levanta-te: sacode a capa, deixa que os passos sejam passos. Pois é: já aprendeste a caminhar, mas não penses que as estradas levam ao mesmo lugar. O deus adolescente sorri a todos, mas nem sempre escuta a nossa oração breve. Caminhar é escolher, e estar parado também. Altas, as árvores dançam a dança dos mundos.

[imagem: fotograma do terceiro filme do Senhor dos Anéis]