3.3.06

Notas

1. As únicas pessoas interessantes do mundo são os vencidos. Ou antes, aqueles a quem chamamos "vencidos". Os que não são capazes de seguir as regras, de tactear o mundo como se fossem formigas com antenas, de navegar no alto mar. Não são interessantes por serem "vencidos", por serem um desvio à regra e ao padrão. São interessantes pela revolta que nelas habita. Geralmente, não há nada mais entediante que uma pessoa bem-sucedida.

2. Claro que há, no meio de nós, autênticos peritos na arte de parecer vencido. Geralmente falam muito. São uma categoria especial de chantagistas, uma espécie de canibais da alma. A sua arma mais forte é o sofrimento. Carregam ao colo as suas fraquezas como aqueles mendigos que exibem criancinhas drogadas. E muita gente lhes dá esmola.

3. E há pessoas que têm algo como uma brecha irreparável nos seus mecanismos de defesa. Como se o seu mundo interior fosse uma cave alagada, uma casa em ruínas, um quarto onde já não há luz. É assombrosa geralmente a sua coragem, é arrepiante quase sempre o seu fracasso. Vivem entre o mundo dos outros e uma coisa sem nome que é só deles como se vivessem sempre no momento do crepúsculo.

4. Algumas, muito poucas, são capazes de usar uma espécie de normalidade aparente como se fosse um guarda-chuva. Passam despercebidos no meio dos vencedores. Cumprem regras básicas e deixam parte de si fechada à chave, às vezes por muito tempo.

5. Em tudo isto há um mistério muito grande.

4 Comments:

Blogger aquilária said...

goldmundo, bom dia!- e um bom dia, também, ao aladino. :)

as pessoas triunfantes tem qualquer coisa de ruidoso, que irrita.
as pessoas que descreves no ponto 2 debilitam aqueles de quem se "alimentam".eu que o diga, durante anos fui vítima de algumas. depois tive um ataque de lucidez e corri com elas, de forma quase brutal. nem imaginas como me senti leve, depois disso. uffff!...
um abraço

3/3/06 08:26  
Anonymous Anónimo said...

acho que já cumpri(o) todos os pontos...

já gritei de revolta com gritos lentos socados à força...

já quis parecer vencida para que tivessem pena de mim...

já vivi na cave alagada submersa em escuridão...

já morri...

já fui corajosa (de uma força que por vezes vem não se sabe bem de onde-não é minha!!-isso tenho a certeza!)

já morri outra vez espezinhada no mar das formigas...

fracassei outra vez...

e várias vezes perdi a chave de mim própria e fiquei do lado de fora a olhar... à espera que do fracasso nascesse um fracasso menos fracassado... só isso... (um quarto onde não há luz é sempre melhor que uma casa alagada!!!)

e no meio do quarto descobri um guarda-chuva que quase nunca uso... (só em casos extremos!) gosto de andar por aí chuva...

...e...eu até gosto dos vencedores e olho-os, e escuto-os como a uma espécie de criança que ainda tem muito para crescer mas que pensa que já é muito crescidinha... (às vezes irritam-me claro... mas afinal... eu ainda estou a aprender... a fracassar...)

aprendi apenas que se fracassa sempre... por não sabermos sequer o que é ser vencido e vencedor...

por não sabermos nunca se o quarto habitado tem alguma fresta inexplorada...

ou alguma janela secreta, ou se a goteira nos dará um som diferente amanhã...

ou se haverá amanhã...

...sim há a procura "dos quinze metros"...

...sim "há um mistério muito grande em pés descalços"...

3/3/06 10:16  
Blogger katrina a gotika said...

Qual é o mistério?

4/3/06 06:47  
Blogger Goldmundo said...

gotika, podias ter deixado esse comentário anónimo que adivinhava que eras tu. tudo o que no mundo é (ou aparece) errado é um mistério. Ou melhor: um mundo todo feito de verdade ou um mundo todo feito de caos seriam mundos simples. Esses não teriam mistério nenhum, eram assim e pronto. Mas isto em que vivemos é outra coisa.

5/3/06 12:47  

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