Lembro-me de ser pequeno, e de misturar a plasticina e as tintas de todas as cores, em busca do arco-íris magnífico. Mas o resultado era sempre o horrível castanho, e não havia mais nada a fazer. One colour.
Lembro-me de crescer, e de ver os homens ter vergonha daquilo que os distingue, e orgulho naquilo que os mistura, em busca da paz das ovelhas adormecidas. E o resultado é este mundo feito de coisas fofas todas iguais. One world.
Beleza Americana.
É na arte, ou no que resta dela, que as coisas têm descido mais baixo. Há umas semanas atrás, em Londres, uma exposição da vanguarda planetária fez furor: digladiavam-se dois artistas pela palavra final. Um deles apresentou uma composição feita de moscas mortas. O outro, uma feita de ratazanas mortas. (para que se saiba, este esterco tem um nome: Saatchi)
As Máquinas da Destruição é o título de um livro magnífico de ficção científica, da FC americana de antes do descalabro do Vietname. Como toda a grande ficção científica, é uma parábola sobre o Homem. Do fundo do Universo chegaram um dia máquinas semeadoras de morte. Eram robots programados para matar. Eram talvez os restos de uma guerra esquecida milhões de anos atrás, e os seus criadores eram talvez agora apenas cinza de estrelas. Mas os robots não sabiam que a guerra tinha acabado. E encontram um Império onde reinavam os homens do fim, forjados no algodão.
As Máquinas da Destruição andam entre nós, e nós somos o seu pasto inconsciente. Olha à tua volta, e vê um mar de queixas de sentimentos maus. E a tentativa de os combater com bons sentimentos, que nunca houve tantos como nestes dias frios. Amor, compreensão, energia positiva. Paulo Coelho.
É claro que as coisas não são assim. Mas para ver a realidade era preciso dispor de óculos que nos dessem o infra-vermelho das almas. Esta não é uma guerra de sentimentos. As Máquinas da Destruição são feitas de ideias. E são feitas de ideias feitas. São essas ideias que nos destruirão, se as não destruirmos antes.
One colour. One world. A Irmandade dos Adormecidos. Dos que se irão divertir até ao final, lamentar até ao final, aproveitar até ao final. Um mundo em que as ideias não têm de ser claras, as mãos não têm de ser firmes, os corações não têm de ser puros. Em que tudo tanto faz. Em que cada um sabe da sua verdadezinha pequena. Em que todos somos iguais em pelo menos não ser nada inteiramente.
Eu vejo aqui e ali fogueiras de vigia. Vejo-o, para falar deste mundo-dos-blogs em que estamos, nos blogs negros (ah, cuidado com os blogs pintados, com a maquilhagem esborratada). Os blogs de querer ver o infra-vermelho dos mundos.
Sim, os mais novos podiam ser uma esperança. Mas cuidado. Cresceram demasiado envenenados. Vivem em busca de um negro fofo, ou em busca de um sentimento maior. E os sentimentos nunca serão maiores que o mundo que os suporta, e o mundo nunca será maior que as almas que lhe derem sentido.
Às vezes vejo, aqui e ali, olhos abertos na escuridão. Talvez sejam lobos que se mantém na periferia dos mundos. Talvez sejam apenas salteadores de estrada à espera do Capuchinho Vermelho de todas as histórias. Os lobos, esses, não se misturam, orgulhosos da sua solidão. E é verdade que a sua grandeza está na sua solidão. Mas por isso não saberão também os lobos descer à cidade suja, nem para um último combate. E a cidade será cada vez mais o império das ratazanas mortas.
Beleza Americana. One world. One death.
12.6.04
As máquinas da destruição
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home