18.7.04

Requiem
 
Meus amigos, se vierem
ver-me quando eu vos não vir,
não ouçam o que disserem
os que vierem por vir...
 
Esses, que dirão coitado
desse que agora passou…

mas que passaram ao lado
do que me fez ser quem sou,
 
esses, que virão agora,
de luto e cheios de pena,
íntimos de última hora
só porque saí de cena,
 
esses, amigos, decerto
mil coisas dirão de mim:
que eu não era muito certo,
certo era só o meu fim,
 
que ontem parecia tão moço,
hoje está morto, acabado...
hão-de vir depois de almoço,
hão-de ficar um bocado,
 
e depois – é assim a vida!
hão-de ir embora de vez...
ai, na hora mais comprida
fiquem comigo vocês...
 
que eu vou... e nunca mais venho
(- Fiquem só mais um pouquinho;
fiquem comigo, que eu tenho
tanto medo de ir sozinho...
)
 
fiquem... mas tomem cuidado,
não percam tempo demais...
(— Eu fico bem, obrigado,
os mortos não sentem mais...) 
  
Meus amigos, que o meu tempo
foi tão curto p’ra vos ter…
tanto tempo sem ter tempo,
tão pouco tempo a aprender,
  
e agora, que é muito tarde,
só uma coisa por contar:
o amor é um fogo que arde
sem se ver que anda a queimar,
 
e por isso os olhos que ardem
do amor que viram tão bem,
foram feitos p'ra que guardem
sonhos desfeitos também;
 
e agora, que vos não vejo,
vejam-me, amigos, vocês:
como a marca de um só beijo
nos marca às vezes de vez...
 
Meus amigos, vão-se embora
que o dia vai-se acabando...
(quem da noite se enamora
sabe que o fim é mais brando...)
 
Não se esqueçam, nunca façam
o que eu fiz logo à partida:
deixar que as coisas que passam
passem à frente da vida... 
 
Não digo mais nada agora.
Choram-me os olhos sem cor.
Mas antes de irem embora
queria um último favor:
 
queria uma laje pequena
e uma inscrição bem legível
(o nome, não vale a pena...):
“hoje não estou disponível”