14.9.04

1. Perguntaram uma vez, na Televisão, a um padre católico que eu conheço se não achava que a Igreja (quem perguntou queria dizer "os padres") era "pouco espiritual". "Nada espiritual", respondeu ele - e sim, ele gosta de provocar - "Isto é carne mesmo. Carne. Pessoas. A Igreja é feita de pessoas vivas."

2. O C. S. Lewis, que era um escritor irlandês protestante, escreveu uma vez um livrinho em que imagina os conselhos que um diabo velho e sabido dava a um diabrete seu sobrinho, jovem e inexperiente, que se iniciava na difícil tarefa de nos atazanar a vida. O diabrete julgava que uma das coisas mais importantes era convencer as almas a não frequentar as igrejas. "Que disparate", escreve-lhe o tio, "As pessoas que não vão às Igrejas são muitas vezes boas, o que é mau. Deves convencê-las a ir. E quando lá chegarem, a olhar para o lado em vez de pensar naquele cujo nome não dizemos. E olhando para o lado vão pensar 'eu sou tão diferente deste imbecil, olha que ridículo que é esta com a saia torta e os dentes de cavalo...', e vão tr vontade de rir. E aí sim, tornam-se más, o que é bom".

3. E esta é uma historinha americana de há muitos anos, que li numa revista. Falava o mais novo de nove ou dez irmãos: "A diferença", dizia ele, "é que quando o meu irmão mais velho engoliu pela primeira vez uma moeda, os pais levaram-no ao hospital e a mãe chorou toda a noite. Quando EU engoli uma moeda, os pais descontaram-me na mesada:"

E agora deixa-me contar o fio da meada. Acho que vivemos num mundo afogado em falsa perfeição. A perfeição que supostamente a juventude tem, ou podia ter. A perfeição dos corpos felizes. A perfeição das almas lavadas. A perfeição solar do meio-dia, hora de praia. Depois sabemos que as coisas não são assim, e dizemos uns aos outros "eu amo-te" e "tu tens de ser muito, mas muito feliz". As capas das revistas falam dos "casamentos perfeitos", e afinal lá dentro falam do vestido da noiva. "Casamento perfeito" é o nome de um livro que foi escrito há quatrocentos anos, em Portugal, e que andei a reler estes dias. É um livro a alertar contra a "paixão", e a explicar que as relações são melhores quando são mais impessoais. E isto parece-nos hoje tão estranho. Mas eu penso que a felicidade não se "procura". Um dia olhamos para trás e, se a nossa vida tiver sido boa, descobrimos que "temos sido" felizes. A felicidade é o balanço das coisas que fazemos (fizemos), não um "momento".

E como fazer para que o balanço seja bom? "I can't carry IT for you, Mr. Frodo", diz Sam Gangee, e pelo menos se leste ou viste o Senhor dos Anéis podes entender. "But I can carry YOU".

Toda a minha vida pensei assim. Toda a minha vida, ou grande parte dela, fingi que não sabia disto. O diabrete sobrinho não teve grande trabalho comigo, tantas vezes.