10.11.04

Não te tenho visto por aqui, disse ela, o que é que se passa contigo?

Pois é, disse ele, e ficou calado. Tantas coisas. Às vezes tenho pena de já não saber de ti.

No princípio de Setembro, disse ela, disseste chegou o tempo da dança de Goldmundo, e logo a seguir passaste uns dias estranhos, falavas em lobos e medos e florestas e médicos... e olhou-o com aquele ar irónico de há tantos anos.

Eu sei, respondeu ele. A dança. Outono. Outono sempre foi o tempo de eu querer dançar, gosto tanto do vermelho das folhas caídas, gosto tanto do dourado.

E o musgo, não é? Uma vez falaste-me de muros com musgo, de pedras soltas, de ribeiros pequenos. Ela enterrou-se um bocadinho mais na cadeira, sempre os olhos verdes, aquele estranho colar azul.

Ele sorriu devagarinho, vou pedir outro café. Sempre que te invento fico com vontade de tomar um café, sempre que te chamo a uma esplanada, sempre que falo contigo com quem já não falo há tantos anos.

É giro falarmos assim, respondeu ela. Aposto que gostavas de saber se eu ainda me lembro de ti, se penso em ti quando me sento na Brasileira.

Quando reparas no teu quadro, disse ele, a Ibis. Não sei. Gostava sim, gostava de te ver outra vez, acho. Mas ainda é cedo, se alguma vez for é melhor que seja daqui a muito tempo. Gosto mais de te falar assim, de tomar um café e de ouvir as coisas que não dirias se aqui estivesses em carne e osso.

Eu estou sempre em carne e osso, disse ela devagar. Tu é que nunca acreditaste nisso, pois não? Mesmo quando passávamos o dia juntos não acreditavas. Mas não quero voltar a discutir, quero saber só como estás. Como está o Goldmundo.

Água, disse ele, e olhou para a chávena de café. Sabes, está tudo na água.

Foi a última coisa que disseste, respondeu ela, água fresca. Mas não falavas da Ribeira, não. Nem da sede vulgar.

Não. Falava de uma coisa de que não sei se quero falar, não sei ainda.

Speak the word, disse ela, lembras-te? Tu nunca dizes aquilo que pensas, e isso não te faz bem. E há alturas em que não devemos calar, mesmo quando não temos a certeza.

Andei muito estes meses, disse ele baixinho. Andei muito desde que comecei a escrever, fez-me tão bem. É como se tivesse dado a volta ao mundo, como se tivesse andado por todo o lado. Quero voltar a casa. Quero ser feliz. Quero deitar fora as coisas soltas.

Eu sei, disse ela, e sempre foi assim, não foi? Sempre foi isso, e sabes que sempre foi isso que me irritava, eu queria andar em frente só.

E eu queria parar, disse ele. Estou farto de andar atrás de Deus, a procurá-lo em todo o lado menos no sítio certo.

O sítio certo, disse ela e abriu os olhos. Não há um sítio certo.

Há sim, disse ele e não levantou os olhos.