24.10.04

Rei capitão soldado ladrão...



Na outra noite sonhei uma história de príncipes e um castelo triste e um tesouro escondido na capa de um livro antigo. Havia príncipes irmãos, de olhos tristes e cabelo comprido aos caracóis, tão negros. Havia pedras e ferros e talvez uma grande lareira acesa, lá fora as trompas e os uivos dos cães.

Esta noite sonhei que era condenado à morte. Era voluntário num sítio de África, o deserto, tribos. Uma mancha escura na areia. Alguém me empurra e ao cair as minhas mãos tocam a mancha proibida. Tabu, ouço gritar, esse homem tem de morrer não se pisa a mancha sagrada. Não quero acreditar. Havia uma espécie de delegado das Nações Unidas, um homem ridículo com um fato amarelo e uns bigodes sujos de tabaco e óculos-fundo-de-garrafa. Então? É um boer sul-africano, explicam-me. Houve um equívoco qualquer, deviam ter escolhido outra pessoa. As tribos nunca aceitarão ouvi-lo. Tabu. E pronto, vou morrer quando a manhã se levantar, tenho uma noite por minha conta, começo por insultar o boer estupefacto.

Gosto tanto de sonhar, tenho a sorte de me lembrar tantas vezes. Há cores e há músicas e por duas vezes sonhei versos inconcebíveis de que ainda me lembro e que me fizeram acordar a rir. É raro sonhar com monstros, mas muitas vezes acordo a tremer também.

É engraçado como nos sonhos sou sempre o mesmo, sempre diferente, nunca me vejo a mim mesmo e cada um dos outros sou eu também com uma máscara maior. Não, nós não somos a nossa circunstância. Somos a criança que joga sem saber, rei capitão soldado ladrão... Às vezes somos uma criança a olhar.