17.10.04

Caspar David Friedrich


Desde o princípio tenho trazido à Ribeira alguns dos espantosos quadros do Caspar David Friedrich. E de uma das últimas vezes alguém comentou que ninguém pintou a luz como ele. É verdade sim, mas é mais do que isso, muito mais. E por isso hoje uma gravura a sépia, para reparar como não é a cor o que mais importa.

Como sempre os homens ficam de costas. Como o Viajante da montanha, como o Velho que olha a chegada - ou a partida - dos navios do mar. Agora que estou a escrever parece-me (um dia hei-de verificar) que Caspar David às vezes nos mostra uma mulher quase de frente, como se quase a pudéssemos olhar nos olhos; mas os homens não, andam sempre embuçados, sempre de negro, sempre tão parados por fora e tão vivos, tão grandes por dentro.O que nós vemos é sempre um homem a ver.

De costas um homem vê, e quando são dois como aqui percebemos melhor que andam calados. Vêm da cidade: não são pescadores nem marinheiros, e da cidade que fizeram e que os fez trouxeram a gravidade negra das capas, a hierarquia representada pelos largos chapéus. Não vieram ao encontro do mar para se libertar de quem são: não lhes ocorre despir, nivelar, nem sequer sentar no chão. Não, não foi daqui que nasceram os hippies; vestem de negro, daqui nasceu o que se foi chamando - na literatura - o gótico. Sentimos que se os víssemos amanhã num tribunal ou num parlamento ou numa universidade seriam iguais ao que são agora junto do mar. E é verdade, iguais somos sempre, mundo inteiros tão fechados.

Sim, de costas de negro um homem vê. O que ele vê nós vemos também, por enquanto não o podemos ver a ele. E por isso a Natureza à volta começa a falar baixinho. Como se não pudesse deixar as coisas grandes por dizer. E são as pedras, as praias, o mar e as nuvens que nos olham, que se fazem em nós sentimento, paixão, dor, assombro. No meio sempre os homens quietos. Como gaivotas que voam sem bater as asas, nas tardes em que o vento anda mais forte.

"O nascer da lua" se chama esta pintura. E percebemos melhor a frase assombrosa do João Bénard que deixei aqui antes: "Há homens que crêem para ver".