A Vila, O Derviche e a Ribeira:
A propósito do filme "The Village", o Derviche-do-Tapor deixou um comentário interessante, que eu ponho aqui.
Eu já tinha gostado de "O Protegido", o primeiro do Shyamalan, que considerei muito bom. Depois deste odiei o "Sexto Sentido" e ainda mais o "Sinais" que é um autêntico nojo.
Outro nojo é o trailer deste "A Vila" que não faz jus ao filme e deixa antever mais uma paródia de terror barato. Não é, é um filme profundo e muito complexo que mexe com os mais primários medos humanos e da melhor forma de lidar com esses medos. Não há bestas à solta por ali, não há tripas a escorrer.
A Besta que ali há somos nós. Qualquer de nós. O Ser humano normal, que sempre ambicionou o paraíso terreno e que se caga para as 72 virgens a voar. O Homem normal como nós e como o pessoal da Vila quer a felicidade aqui e agora.
O problema é que custa ou o que implica essa felicidade ou no limite a própria sobrevivência. O pessoal da Vila criou um paraíso terreno, assente na segurança e na abundância, mas cujas fundações assentam na ignorância e no medo. As fundações não se vêm, mas sentem-se, o paraíso não se sabe se é real, ou se lá queríamos viver mas sabemos que no mínimo é fascista. E a primeira interrogação que levanta é esta: será que eu queria viver ali e criar ali os meus filhos?
Se à primeira vista a resposta é sim, até porque a Vila gerou dois seres de bondade e coragem excepcional como é a Ivy e a personagem do Joaquin Phoenix, não é menos verdade que aquela merda de paraíso também gerou dois mostrengos horríveis, cobardes e abjectos, como é o caso daqueles dois jovenzarros que deixama Ivy sózinha.
Por outro lado a horrível sociedade de cá de fora foi capaz de gerar por sua vez um ser de excepcional bondade e desinteresse, capaz de ajudar o próximo com risco do seu próprio emprego e sem fazer perguntas, como é o caso do Segurança da Walker.
Enfim milhões de questões a ponderar. Um filme excepcional, que certamente será no futuro um filme de culto, e que me remete para obras fundamentais como o Se Isto é um Homem do Primo Levi, o O Paraíso na Outra Esquina do Vargas Lhosa.
DervicheRodopiante
E agora falo eu, Goldmundo: Gostei muito deste comentário, e não concordo com coisas que não sei se o Derviche (que já me conhece) sabe quais são. Mas primeiro as coisas pequenas: também acho que o trailer me enganou, e lembro-me de ler num jornal que isto "Não assusta tanto como o Sexto Sentido"... Espero que isso tenha sido imposição dos financiadores do filme. A malta gosta é de se assustar, e não percebe que coisas realmente assustadoras se passam à sua volta todos os dias.
Infelizmente não vi mais nenhum (além do "Sexto") filme do Shyamalian, não tenho como comparar. Desse gostei, mas isso é outra história (e também não li nenhum dos dois livros que mencionas).
Agora voltando à Vila: li também na imprensa que parte da crítica americana leu o filme como uma alusão à "América-de-Bush". Eu não sou suspeito de gostar dos ianques (bushianos ou não), e acho que é, como dizes (?) uma alusão ao mundo todo. E no mundo todo - não apenas naquele paraíso fascista - há gente como a Ivy (pouca) e gente como os miudos que a deixam sozinha (muitos). Nisso, as tribos como aquela e a Grande Sociedade são iguais. E mesmo aquilo de que os Velhos fugiam (o sangue) acaba por entrar, e entrar pela porta da frente. Poderemos concluir que tudo fica igual e que tanto faz viver na Vila como "cá fora"?
(to be continued, espero)
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