1. Gosto tanto de dançar, tão raro. Eu sou tão devagar. O mesmo para entrar no mar, nunca aprendi a correr e a atirar-me, primeiro fico quieto ao pé da espuma e da areia molhada. Como se falasse, como se me andasse a enamorar. Apanho uma pedra (ainda tenho uma comigo, em forma de coração negro, um dia talvez saiba como a mostrar aqui), espero pela sombra que fazem as gaivotas, deixo as pessoas ir embora. Só depois vem a água de uma onda pequenina, depois a de uma outra um pouco maior. E fico pronto quando o mar me sorri. O mesmo (reparei ontem) para dançar. Tantas vezes danço só através daqueles que vejo, como se estivesse sentado no cinema, como se tivesse deixado em casa o corpo e trouxesse só os olhos à noite maior. Tento abraçar uma música e dividem-se em mim as palavras e o ritmo, e se forem mais fortes as palavras fico quieto. Às vezes (tão raro) reconheço-a, sei que já a ouvi (desconfio que quando conheço e não sei quem canta, é The Cure). E às vezes esqueço-me de pensar, de olhar, de estar quieto. Gosto tanto de dançar. (Há muitos anos conheci uma rapariga com quem dançar era simples. Talvez a dança seja igual ao mar).
2. A noite é tão pequenina.
3. Na cidade grande fazem-me falta as estrelas. A profundidade do céu permite que as almas se ergam. Na cidade andamos curvados, olhos sempre pousados (e por isso tantas vezes pousados em alguém, num outro, em nós).
4. É cada vez mais raro ler coisas que tenham sido escritas depois de eu nascer. Leio jornais por vício, como se fossem um cigarro mais. Leio alguns blogs. Leio a Ana Teresa Pereira, alguns poemas, "tales of mistery and imagination". Leio os X-Men. Mas livros livros cada vez menos. A literatura é hoje uma autópsia cada vez mais perfeita a um cadáver que não me interessa. Só a música ainda vive. Os cadáveres deixo-os aos cães.
5. Comprei há dias na Feira da Ladra (paguei dois euros) um livro francês impresso em 1788. É mais antigo que a Revolução Francesa. Às vezes imagino alguém a folheá-lo, em Paris, numa sala escura com velas. Entra devagar uma mulher embrulhada num xaile: votaram a morte do Rei, diz ela, e eu gostava de lhe poder ver as mãos tãos claras. O homem pousa o livro em cima da mesa e vai até à janela, gritos ao longe, a sombra de um palácio, talvez um cão magro em baixo. Ninguém volta a lê-lo até mim. Quando eu o fechar, o livro esperará outros duzentos anos como quem espera o regresso da amada. Que é feito desse homem, que é feito de mim?
6. A Ribeira começou há seis meses, tantas coisas. Eu comecei um bocadinho antes.
1 Comments:
as estrelas fazem muita falta, sim. :)
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