Ando há dias por uma floresta com lobos. Talvez seja um só. E vai comigo onde eu for. Tecnicamente é a agudização de uma depressão, um estado de alta ansiedade, um desequilíbrio químico que os antidepressivos e um sono induzido tentarão combater. Mas subjectivamente não há estados químicos. Há uma floresta com lobos, talvez só um. Há o mundo a uivar cá dentro. Há aqueles barulhos que nos fazem preferir as boas salas de cinema quando vamos ao cinema, cada barulho perfeitamente distinto, perfeitamente ameaçador (as vozes são o pior).
Tenho medo dos lobos, tenho medo de andar (durante dois dias não consegui andar de metro sequer, ainda ontem de repente não conseguia estar numa loja, mas também não em casa, não na rua. Se dormisse o lobo ia embora. Se dormisse até voltar a ser uma criança pequena, na minha casa sob a lua. Se acordasse de andar acordado assim.
Durante o dia, então, a floresta é mais escura. Não é fácil respirar. Não é fácil ter a pele perto de qualquer luz. A noite sossega-me um bocadinho.
A médica a que fui perguntou-me se tenho tido "pensamentos tristes". Não sei se é assim que se descobre se há pessoas por aí a pensar em suicídios, pareceu-me uma pergunta pouco subtil. Mas não, não ando a pensar em suicídios, isso foi só uma vez e foi há muito tempo. Disse-lhe qualquer coisa sobre ser sempre o mesmo. Pensei como é estranho falar.
Ando há dias numa floresta com lobos. E a médica disse uma coisa sensata, "já viu como somos iguais, desde que nascemos?". Já vi sim. Já vi coisas que tenho de fingir que vou aprender consigo, para que a senhora possa saber alguma coisa. É para isso que lhe pago. Como quando aos seis anos cheguei ao Colégio a saber ler mas fingi que soletrava os AA, para que não dessem por mim.
E vou aguardar à minha maneira os lobos baços. Não são os primeiros. Nunca tinha andado tantos dias sem conseguir reagir, mas não são os primeiros. Nunca tinham chegado tão perto. Mas depois destes haverá mais, noutros passos da floresta encantada.
Medo, quando me abraças és igual a mim.
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