13.11.04

O Quebra-nozes



O mais bonito dos bailados de Tchaikovsky. Uma história estranha, uma história de noite de natal, de menina adormecida junto à árvore iluminada, de um boneco - o quebra-nozes em imegem de principezinho - que ganha vida por amor, que ganha vida por uma noite mágica em que tem de enfrentar o tenebroso Rei dos Ratos. Uma história de crianças, como os adultos pensam que elas hão-de ser.

E agora, começando o dia a visitar os meus amigos das terras de além-Ribeira, começando o dia a saber notícias da Nevernaya, da Kearinn, da Gotika, da Carla d'Elsinore, da Ninagasol, da Catarina-dos-Sonhos, pensei que o mundo sempre foi para mim o estranho mundo do quebra-nozes, o estranho e frágil mágico mundo dos bailados e das noites enormes de Natal.

As pessoas são tão frágeis. As pessoas são tão bonitas. Os gestos e as palavras e os silêncios e as lágrimas e as gargalhadas e as sombras e os passos e as mãos e as coisas e os dias são prendinhas embrulhadas na noite, trazidas por um estranho Menino Jesus de que não sabemos o nome nem a cor. São coisas coloridas em vermelho e verde e dourado mesmo quando nos parecem negras negras. Tão frágeis. Cada um de nós - ai, cada um de vocês - coisa única no mundo, e que por ser única tantas vezes erradamente se pensa sozinha. Não vemos o bailado que traçam as nossas mãos, os nossos pés dançarinos no gelo dos mundos. Não ouvimos a música que toca a orquestra invisível dos anjos. Esquecemo-nos de que os mortos amados andam vivos. Não acreditamos que um dia daremos todos as mãos ao encenador e avançaremos até à boca dos palcos a cumprimentar o universo que nos coroou, a agradecer a vida e a graça. Mas somos únicos, à imagem e semelhança do único Deus.

Ando a ficar um bocadinho místico, talvez. Ainda bem, sabem? Ainda bem que começo a ouvir as primeiras notas da Abertura do Quebra-Nozes.