Há dias que passam como se fossem feitos de Outono, em vez de ser o Outono que é feito deles. São dias devagarinhos, feitos de cores quentes que não ardem nos olhos e de vento frio que não deixa o sono chegar. São dias feitos do cheiro das castanhas e da lembrança do fogo inteiro. São dias em que as manhãs não fazem mal.
Há dias que passam como se mesmo a cidade grande fosse um sítio feito para as pessoas viverem. Saímos de casa e podemos experimentar sorrir e dizer olá e deixar uma senhora passar primeiro e a verdade é que os outros ficam espantados durante um bocadinho e depois dizem ah já percebi é o outono, é este céu azul clarinho e eu também estou feliz, nem tinha pensado nisso. Olá para si também. Saímos de casa e há um gatinho amarelo que olha do tejadilho do volkswagen estragado como se dissesse olha como eu tomei bem conta das ruas durante a noite. Cruzo-me com o carteiro e os olhos dele dizem é importante que haja um carteiro, não é? E talvez hoje não sejam só contas, talvez seja o tio da américa a namorada escondida o filho que vai voltar. "Tenho uma netinha americana", diz-me o senhor do táxi, "vive numa cidade do Utah".
Há dias que parecem feitos de todas as coisas que já foram feitas por nós. Mas nas escadas da igreja de S. Jorge havia hoje de manhã dois senhores adormecidos, embrulhados em caixotes e num cobertor vermelho com um grande rasgão. Um deles tinha um cinzeiro pousado ao lado, e realmente não iam ficar pontas de cigarros nos degraus quando ele se levantasse. E o Outono inteiro disse-me as cores são apenas a máscara, vês? Por trás de mim está o mundo que é apenas um grito tão calado.
Dentro da igreja o grito fez-se oferta.
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