30.3.06

αναβασε



(anabase: cavalgada guerreira que parte do mar e progride até às terras da montanha) Anabase: o poema maior de Saint-John Perse (o poeta que assinava assim foi no mundo o diplomata francês Marie-Alexis de Saint-Leger Leger). A caminhada para o interior, para um interior elevado. Saibam os meus passos ser como estes.

As armas da manhã são belas e o mar. Entregue aos nossos cavalos a terra sem amêndoas
vale-nos este céu incorruptível. E não é nomeado o sol, mas o seu poder está entre nós
e o mar na manhã como uma conjectura do espírito.

Poder, cantavas nas nossas estradas nocturnas! Nos idos puros da manhã que sabemos dos sonhos, nossa precedência?

[...]

Saint-John Perse, Anabase


As armas da manhã são belas e o mar. Olho à minha volta como se lembrasse os navios queimados, como se quisesse a estrada longe. Mas já não sei de ontem nenhum. Queres saber o que descobri? Não há caminho que não seja a contradição das águas. E então faço os meus cavalos voltar costas ao mar de que nasci. E não lamentarei os irmãos mortos na praia.

Gostava tanto de escrever em francês agora. Mas quero que me entendas. O medo, não é? Claro. Foi sempre a mesma coisa, a mesma história. E o meu erro foi aguardar que o medo se fosse embora, como quando em criança nos escondemos do papão. Fechar os olhos só serve para adensar a treva. Um dia, pensava eu, um dia estarei tranquilo. Um dia o medo desfar-se-á como se desfaz o nevoeiro do Douro. E então poderei andar pelos caminhos da terra, até lá dá-me a mão para que não tenha que gritar. Para que me não perca em tantas coisas. Até lá sou só isto que sou calado.

Descobri que há contradições em mim antes de entender que há contradições no mundo. Sim. Mas não me venhas falar da alegria e da felicidade. Só me interessa andar. Deixa a felicidade aos deuses inebriados. É tão estranho. Coisas que não sei fazer, que não sei dizer, que não sei ver. Coisas que me tocam como se tivesse de haver outra coisa qualquer. E não me podias ensinar a tirar a máscara. Não me podias ensinar a subir ao dorso dos cavalos bravos. Nem a não olhar para trás quando estala a chama dos barcos queimados. Mas haverá sinais secretos na encruzilhada dos caminhos do vento. E as minhas mãos hão-de ler a marca das pedras.

Guerreiro relutante. É tão fácil dormir na areia.

No entanto, quero saber a verdade sobre todas as coisas.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

ouve uma coisa Gold.!
o medo existirá sempre... quando enterrares um, há sempre mais algum que se desenterra...

dá-me a mão... só quero estar ao teu lado...

3/4/06 14:16  
Blogger Goldmundo said...

Hum. Acho que não é isso. O medo "tem-se", ou "é-se". Com o ter eu posso bem.

4/4/06 20:02  
Blogger Lord of Erewhon said...

Enterrar um... e cavalgada... Aprovo! JAJAJAJA!!!

11/4/06 18:38  

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