23.5.06

Paraíso

Sempre me assustou a imagem do Paraíso. E quanto mais insistiam os livrinhos que lia ou as pessoas que me falavam na "felicidade eterna", no "êxtase" e na "absoluta não-sei-quê" mais me sentia desconfortável. Não gosto de coisas em grandes doses.

Há um conto do Clifford Simak, que é um dos meus escritores preferidos. Um homem está velho, numa América de interior profundo e pequenas cidades. Teve um grande amigo, com quem bebeu e viajou e tocou saxofone e conheceu raparigas frágeis. Mas está velho e o amigo deixou-o, ou deixou-o ele num daqueles cemitérios tão verdes. Uma noite está em casa, sozinho como sempre na sua cadeira de baloiço e sono. Uma dor no peito, uma estranha tontura. E nesse momento o barulho tão familiar e tão esquecido do Ford-T com que o amigo tantas vezes o viera buscar à noite, "és tu!", "sou eu, entra!". E depois uma viagem pela noite, um carro um amigo uma garrafa um saxofone, agora mesmo passámos New Orleans e já ali está Chicago e olha as praias da Florida e além deve ser o Alabama. Uma viagem por uma noite sem fim, como sem fim deviam ser todas as noites de andar. Um momento bom com os relógios todos parados, todos deixados para trás. E um saxofone talvez.

Lembrei-me disto ao atravessar o Bairro como só o podemos fazer nas noites de Domingo ou de Segunda, ruas tranquilas porta aberta ao longe talvez ali uma cerveja antes de dormir. Talvez ao virar da esquina chegue a New Orleans, talvez aquela rapariga tenha qualquer coisa para me dizer. Talvez sem dar por ela me tenham trazido a um Paraíso de andar. No céu há uma luz vaga que deve ser a Lua.

1 Comments:

Blogger Lunaris said...

:) essa paixão pelo bairro, Goldmundo... bons olhos te leiam, gostei mto!

23/5/06 16:15  

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