29.9.06

The weeping song



Para a Nikoletta Staikou e a Ghiorghia Tsounakou,
que nunca hão-de ler isto.
Para o Iannis, o Grigori, a Elina, a Nikki, o Dyonisus.

Não vi o Parténon. Mas vi um gato branco no cimo de uma trepadeira numa das estreitas ruas de Monastiraki. Vi arcanjos esbatidos na capela dos Santos Apóstolos que já foi o templo das ninfas. Vi um autocarro verde escuro que aguardava albaneses tristes, e o cartaz de papelão dizia "Tirana". Subi a Likavittos, o monte dos lobos, e escutei as assombrosas canções de Nick Cave ("congratulations, Nick!", gritou alguém; "thank you, young man", respondeu ele. Quarenta e nove anos fazia, tanto tempo). Chorei um pouco com a "weeping song", mas isso já me tinha acontecido no Porto e acontecido em Lisboa.

This is a weeping song
A song in which to weep
While all the men and women sleep
This is a weeping song
But I won't be weeping long...

Não fui ao Parténon e não vi as grandes avenidas (haveria grandes avenidas?) onde devem trabalhar de manhã e fazer compras ao fim do dia os atenienses sensatos. Havia um morcego sob a minha varanda de madrugada. Havia o velho carro cinzento do Grigori, que levava sempre cinco ou seis de nós a caminho de mais um bar, noite fora, noite dentro. Havia a senhora a quem comprei uma cruz de cobre, e que ofereceu um coração pequenino. Havia a música, as belíssimas luzes de parede do Dada, o nevoeiro vampírico do Dark Sun onde as cadeiras são poltronas de veludo negro e há focos de luz que parecem colunas de pedra. Lugares em que a noite se não sabe esconder.

Não trouxe reproduções certificadas do orgulhoso Poseidon nem o livro "The erotic art in Ancient Greece". Trouxe uma Rainha-Madrasta da Branca de Neve, tão bonita na sua capa roxa e nos seus cabelos negros negros. Passei duas tardes em alfarrabistas, preso a livros antigos em que de vez em quando reconhecia uma palavra. Perdi-me em ruas de degraus brancos e passei oito vezes pela mesma parede onde estava escrito REIS em letras vermelhas. Encontrei café Buondi. Encontrei punhais e espelhos e moedas de bronze e o perfume triste das rosas. Encontrei padres altos e magros com barbas compridas e olhos negros brilhantes. Vi a prata pesada de Maria Theotokos na catedral, e a capela pequenina onde o Menino Jesus se esconde quando os tesouros e o incenso não o querem deixar brincar. Andei devagar à chuva. Comi biscoitos de chocolate que se chamavam biscoitos de chocolate. Dormi. Partilhei um sofá com uma boneca manequim chamada Monique, sob o olhar duro do Peter Murphy. Fumei. Planeei ir a Delfos, e não fui a Delfos.

E coisas caladas fundo.

6 Comments:

Blogger Vítor Mácula said...

Por causa da primeira frase, até me apetece oferecer-te "Os nomes" do DeLillo.

2/10/06 12:05  
Blogger Eu said...

Pressente-se que o homem que parte não regressa o mesmo. (Outrora tive um gato branco. Abandonou-me.)

2/10/06 17:35  
Blogger caminante said...

Buen regreso, lleno de profundas cosas que contar.
Un fortísimo abrazo.

2/10/06 21:49  
Blogger Klatuu o embuçado said...

Black Sabbath, «Supertzar»: http://www.yousendit.com/download/3pl3nKSPUTk%3D
:)=

9/10/06 16:49  
Blogger Lord of Erewhon said...

Mexe-te!! (Não chores!)

Los Bravos, «Black is Black»: http://download.yousendit.com/FD0DED77598BC2C0

10/10/06 17:37  
Blogger caminante said...

Siempree es bueno volver a las raíces.
Un fortísimo abrazo.

3/4/07 23:56  

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