11.9.06

Bedtime story



Goldmundo: Ribeira.

Ribeira: Goldmundo. Estou contente por teres voltado.

Goldmundo: Passou o Verão, ou passei-o eu no silêncio possível, na fechadeza possível... Que achas? Uma boa frase para começar.

Ribeira: Não existe essa palavra, Gold. Passaste o Verão na solidão possível?

Goldmundo: Existe sim. E depois não interessa se existe. Eles usam coisas mais improváveis, dizem "estória" e "dossiê" e "multipolar". Fechadeza. Faz lembrar "fortaleza" e faz lembrar "fechadura". É isso mesmo. E não passei solidão nenhuma: a solidão é sempre uma ausência-doutro por dentro, e o Verão que passei foi sempre uma ausência-de-mim por fora.

Ribeira: E agora vais contar uma bedtime story?

Goldmundo: Não. Não vou contar história nenhuma. Vou escutar todas as que queiram ser contadas, ou pelo menos contar com elas. Vou fazer tantas coisas. Vou ver esse filme, o da fotografia aí em cima. The Lady in the Water. Uma bedtime story, sim. Pessoas que não são como as outras pessoas. Talvez sejam como eu. Desta vez é esta menina, já a vimos no "the Village", lembras? Tão bonita.

Ribeira: Lembro. Pusemos fotografias também. Estavas triste.

Goldmundo: Estava? Talvez. Agora também estou. São tão poucas as pessoas que podem vestir o branco sem que pareçam mascaradas.

Ribeira: O branco quando quer sabe ser a cor mais terrível. Escrevemos isso já não sei onde.

Goldmundo: Todas as cores são terríveis. Todas as coisas meteriam medo se as víssemos. No sábado estive numa festa de negro. Foi estranho. Havia música e havia pessoas e havia raparigas lindas e cerveja e dança e um rapaz com um chapéu alto engraçado. E as coisas do negro deixavam-se ver e era lindo e assustador. Fiquei o tempo todo calado a um canto. O mundo dançou em mim a sua dança calada, a sua dança nocturna. E eu fui a pedra que o soube conter.

Ribeira: A rapariga da fotografia reflecte-se num espelho negro.

Goldmundo: Que outra cor poderia ele ter? Que outra poderiam ver os meus olhos?

Ribeira: Bedtime story. Ouvi dizer que ela é um elfo.

Goldmundo: Por falar nisso, estive no Porto. O meu amor sabe ao Douro.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

blog maravilhosamente interessante :)

um beijinho e uma vénia*

11/9/06 23:12  
Blogger Vítor Mácula said...

Belo, como algo verdadeiro.

Abraço.

13/9/06 11:41  
Blogger maria said...

Olá.

Voltaste. Bom!

"o meu amor sabe ao Douro.". Nada mau. Ou melhor; muito bom.

13/9/06 16:09  

Enviar um comentário

<< Home