21.7.04

Querer, desejar... e de novo os falcões antigos


"de querer não nos é dado mais que o crermos querer"
Goldmundo


Queria falar de tantas coisas, lendo coisas que aqui me deixam; e queria saber falar delas como o mundo me soube sempre falar cá dentro, mesmo quando cá dentro não havia ninguém a escutar. Sempre quis tanta coisa. E perguntou-me o Ebola (a quem já prometi falar do bem, do mal, e dos caminhos que nos conduzem a eles) se não deveria estar, ali na frase que ali em cima está agora, "que o querermos crer". Queria falar de tantas coisas. Queria dizer que não é querer aquilo que geralmente queremos.

Querer não é desejar, nem desejar com muita força. Querer não é fechar os olhos e suster a respiração até ficar com a cara roxa, como quando as crianças dizem eu vou ser capaz de voar, olha para mim. Deixem-me contar uma história, que é contada nos livros sagrados indianos:
 
Havia três príncipes irmãos, e havia um velho que talvez fosse feiticeiro e que vinha ensinar-lhes as artes da guerra. Vinha saber também (mas creio que isso não lhes disse ele) qual dos príncipes seria mais capaz de um dia cingir a coroa.
 
O velho ensinou-lhes a nobre arte do tiro com arco, e como primeiro alvo deixou-lhes, a muitos passos de distância, um falcão embalsamado. E disse-lhes, eu quero que cravem a vossa flecha no olho daquele falcão.
 
E disse então ao primeiro irmão, aponta o teu arco, e ele assim fez. O que vês?, disse o velho. Vejo um pau, e na ponta do pau um pássaro embalsamado. Dispara, disse o velho. E a flecha passou ao lado.
 
E disse o velho ao segundo irmão a mesma coisa. O que vês? Vejo, disse o segundo irmão, o alvo que me apontaste. Dispara então, disse o velho. E a flecha não chegou tão longe.
 
E falou então o velho ao irmão mais novo. O que vês? Vejo - disse o mais novo, como se falasse consigo mesmo - o olhar do falcão. O velho não disse mais nada. E a flecha partiu.
 
Não se trata de pontaria. Só um dos irmãos quis o arco, e o alvo.  Só ele quis.