Pois. Talvez o Magritte saiba ajudar-me a dizer isto, a deixar palavras tão frágeis pousadas como o ovo esguio da pedra, talvez. Ou talvez devesse ter escolhido outra coisa, ainda olhei imagens de anjos e um corpo nu de mulher que era quase de certeza Rodin, só ele deixa as estátuas chorar baixinho mas o Magritte tão fácil, e estive quase a pôr aquele beijo das caras veladas, sabes? E se calhar isto ia melhor sem imagens, a Clara diz-me tantas vezes "você fala por símbolos", e eu penso-lhe (digo-lhe?) que os símbolos falam por mim, que eu só calado me continuo.
Talvez.
Nem sequer sei de que quero falar, se é que quero, se é que sei. É a maldita coisa dupla (D-U-P-L-A), Gémeos ascendente digo eu, como se fossem dois olhos, duas mãos, duas palavras. Dois mundos. Ai as sereias e os centauros e os sociais-democratas, como os invejo, poder ser uma coisa e outra e a negação de cada uma (e a soma inteira de cada uma) ao mesmo tempo e afinal ser uma coisa só, eles mesmos... Eu sou uma criança tal como um velho a recorda, um avô tal como uma criança o imagina. A mistura perfeita de azeite e água, partes iguais, partido (partida). Eu-outro ("moi, c'est un autre", e em inglês alguém saberá dizer isto, sentir isto?). Eu-ouro. Eu-ou. Nunca sou o que escreve, mas o que se desenha ao escrever (talvez afinal devesse ter posto aqui aquelas mãos recíprocas do Escher, talvez). Cala-te.
Difícil explicar isto à Clara, dizer à Clara as coisas que às claras não faço, e se um dia sonhar claras em castelo estarei curado segundo Freud. Claramente, não é? Mente sim, todos mentimos, até o outro-que-sou.
O ovo esguio da pedra, não era? Pois, o ovo da impossibilidade metafísica se isto afinal fosse um Dali, mas eu queria falar Daqui, entendes? Daqui onde não há Salvador salvo a dor (pudor) ao redor. O ovo esguio da pedra, altos muros, mais altas as asas da águia e saberá ela que o ovo aguarda (que o ovo a guarda)? A vida está sempre fora de nós, é isto que queres dizer, Magritte? Então porque não dizes, não é, não deve ser, deve ser antes que todo o ovo frágil tem junto de si a imutabilidade da montanha que pariu o rato que há-de roer o ovo do rei da rússia.
O ovo da serpente, quem é que te disse que o ovo era da águia, a águia assiste impotente e o ovo vai estalar céu tão azul como sempre (ele era belga).
Não, não é hoje que ele vai falar de mim e eu dele. Não é hoje a sereia nem o centauro. Sim, quando eu sou a pedra é pela vida que anseio, palpitação da casca frágil, equilíbrio dos muros. E quando sou o ovo não sei de que monstro (imagino-o verde, lento, húmido...), queria só a beleza intemporal das asas-falésias, dos penhascos-garras, do olho de água ninho dos deuses claros. Sei. Sou as coisas todas que o Pessoa disse (e sou-as mal ditas, soas maldita) e se o Pessoa as disse daquela maneira porque é que não escreveu "soluções na página 34", afinal estava a brincar acorda. Come chocolates, pequeno, come o ovo de chocolate do Magritte meu grito, grato, meu. Eu. Eu outra vez, eu. Essa coisa que somos.
Não, não é hoje que vou falar.
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