5.1.05

Gotika



Eu não quero ser um fantasma. Mas na impossibilidade de ser outra coisa, pois estamos no mundo virtual e todos não passamos senão de fantasmas, não posso impedir que me idealizem e me ponham no pedestal, mas posso e devo impedir-me de participar na alucinação colectiva.

Gosto de ser útil. Gosto de saber que estou a partilhar literatura, arte, música e cinema com as pessoas que me lêem. Gostei quando alguém me disse "obrigada por me dares a conhecer as Vampire Chronicles".

Gosto quando alguém me diz que as minhas palavras são um refresco numa tarde quente no escritório. Gosto de saber que dou prazer às pessoas que me lêem.

Mas sem perder a noção do distanciamento. Eu não existo. Sou um fantasma. Os meus próprios amigos não me conhecem e estão comigo há anos. É preciso ter isso sempre presente.

Ademais, este é um blog secreto.

(Gotika, no seu blog, no seu melhor, terça feira madrugada alta.
Pintura de Mark Rothko)

Agora falo eu, Goldmundo. Palavra puxa palavra, não é? Mas as palavras da Gotika, quando ela anda para aí virada, puxam-me coisas que parecem estas cores bravas, estas coisas de impenetrar que o Rothko andou a pintar toda a vida. Como se fosse luz empurrada, tempo a cair, céu de inferno. E quase sempre não digo nada, quase sempre mudo de assunto para não ficar mudo apenas.

Correm os rios devagar, vemos tão bem o indistinto. Não sabia que havia mais alguém assim. Gosto tanto do Rothko e sabes, Gotika, gosto tanto de te ler. Não sei se esta pintura é só uma pintura, não sei se o teu blog é só um blog secreto, não sei tantas coisas. Não sei o que são as pessoas quando não são em mim só o que nelas pintei. Não sei se alguém me vê cores, se me vê só nas cores do pedestal/espelho que trouxe de casa. E daí, talvez todos saibam as coisas certas, porque não?

Não sei se seria capaz de te conhecer, mesmo que te conhecesse há muitos anos. Penso que não. No que escreves vejo às vezes coisas de mim que nunca tinham tido voz. E coisas ao contrário. Talvez sejas igual a coisas minhas. Dramático, digo eu, porque nem a mim me sei conhecer e se fores o que eu sou então já percebo porque é que às vezes me arrepias. Talvez não sejamos suficientemente diferentes para nos entendermos, suficientemente estrangeiros para encontrar uma língua comum que nos diga. Talvez sejas a história que eu queria contar, talvez a tua história seja a única de que eu posso adivinhar o fim. Porque desse fim é só o meu princípio feito.

E aqueles que pensarem que é da Gotika que estou a falar nunca saberão nada de mim, nada dela. "O mundo que me rodeia é apenas um pormenor no meu narcisismo".

Não, não perguntes por quem os sinos dobram. Podes descobrir que se esqueceram mesmo de ti.