4.1.05

alegria, segundo mistério: mistério da visitação




Pensei em não escrever hoje, não meditar hoje. Como disse há bocadinho estou muito triste. Mas talvez por isso mesmo seja altura de voltar aos mistérios da alegria.

Para quem não saiba a história ou já a tenha esquecido, depois de a rapariga que lá em baixo tinha os cabelos tão doirados ter recebido a proposta do anjo muita coisa aconteceu. Grávida do Mistério, casou com o seu noivo calado. E soube um dia que a sua prima Isabel, prima tão velha sem filhos e sem histórias que saibamos, esperava dar o primeiro filho à sua velhice e à velhice céptica do seu marido. E a rapariga pôs-se a caminho grávida sempre, pôs-se a caminho para o que fosse preciso como a caminho ia ficar sempre (tê-lo-ia já compreendido então?), enquanto algum de nós precisar do silêncio dela, da gravidez dela.

Mistério? Vejam esta pintura, escola francesa séc. XVII, não sabemos o nome que tinham as mãos que assim a fizeram. Mistérios da alegria, mas aqui ninguém parece estar muito contente, pois não? Todos têm um ar tão sério, e vejam como a rapariga envelheceu, já não é feita de flores brancas coisas azuis, começa a vestir-se de noite e começa a levar à cabeça os lenços brancos que um dia se encherão do sangue do Filho. Mistério sim. Mistério da alegria maior. E misteriosas foram as palavras de Isabel que a pintura nos não deixa ver, as palavras de receber quem nos visita "bendita és, mãe do meu senhor, bendito é o filho que trazes em ti, por causa dele senti o meu filho a alegrar-se". Nunca mais ninguém disse "obrigado" de maneira tão bonita, pois não? Nem sempre sabemos a que senhores queremos servir.

Encontrar é sempre ir ter ao sítio certo. Ir ao teu encontro é sempre ir ao encontro do Mistério que em ti aguarda, se o que te traga não for só eu mas todas as coisas que me fizeram desde o início. Mesmo que ande cansado como cansado parecem os homens neste quadro, como cansadas são as paredes da casa deste quadro (ai a casa da pedra lavada, tão longe azul...). Mesmo que não tenha nada que valha a pena levar. Ir ao encontro é sempre a maneira de nos encontrarmos. E receber-me-ás da maneira mais bonita.

Duas mulheres dois homens. Não há anjos neste quadro, ou se há preferem ficar invisíveis, como invisíveis são as crianças escondidas nele. E um dia se hão-de mostrar, coisas pequenas, e o filho da rapariga envelhecida há-de ser o Filho e o outro há-de ser João Baptista, "e entre os filhos dos homens nenhum foi maior do que ele". Mas este quadro é feito só para quem sabe encontrar nele as coisas caladas. Por isso é tão raro podermos dizer "Cheguei, não tenhas medo. Agora estou aqui e não vou embora, podes dormir enquanto precisares, enquanto andares cansado. Nem que seja até ao fim do mundo".

Mistérios da alegria, do encontro. E sim, já não preciso de estar tão triste.