Igreja de S. Nicolau, baixa de Lisboa, fim da tarde. A porta aberta resguardada por um reposteiro encarnado, degraus de pedra gastos e entrou. AO seu lado de repente estava uma rapariga a chorar. E ele queria ter olhado para a cruz ao fundo, talvez deixar que as coisas do dia serenassem, um bocadinho cansado e o calor, sabes? Apetecia-lhe parar. Mas estava ela mesmo ao lado, a mão direita pousada no Senhor dos Passos como se não tivesse mais onde se agarrar, e as lágrimas caiam-lhe devagarinho como se a não quisessem incomodar mais.
Talvez tivesse vinte anos. Vestia-se como se tivesse todas as coisas do mundo, lembro-me de vermelho e de botas pretas e um anel na mão (o gesto de o repor de manhã nos dedos finos). Lembro-me do cabelo comprido apanhado atrás. Acendeu uma vela como se a vela fosse tudo, e olhou à volta como se não soubesse onde a deixar.
Ele esqueceu-se de se sentar no banco pálido, de fazer o sinal da cruz, de erguer o olhar para o Pai que devia estar no céu como de costume. Esqueceu-se de não olhar para ela. Por um instante sentiu vergonha. Deu um passo em frente, como se fosse ter com ela para dizer "que tens, conta. talvez possamos fazer alguma coisa. talvez possamos falar, ou acender outra vela para fazer companhia à tua".
A rapariga levou tão devagar a mão à boca que só depois ele percebeu que estava a não deixar sair um grito baixinho. Foram os olhos. Foram os olhos que lhe contaram.
O Senhor dos Passos não disse nada.
1 Comments:
(silêncio...)
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