5.7.05

Mistério da iniquidade

"Ouvi isto, todos os povos,
dai ouvidos, habitantes de todo o mundo
..........................
Mas o homem com seu luxo não entende
que é semelhante ao animal mudo..."


SALMO 49


Não era sobre isto que ia escrever, mas como sempre as coisas enlaçam-se e no fim talvez vá tudo dar ao mesmo. Já vou ao que queria dizer. Mas o melhor é agora ir direito ao assunto. De desvios ando eu farto, já me bastam os que a Ribeira faz quando finge que é um rio grande: Mistério da iniquidade. Mistério do Mal. E talvez seja bom começar pelo Mistério, apenas ele. E pelo olhar puro que o convoca.

"Mistério" ("mysterion"), antes de ser palavra na boca de detectives parvos nos filmes, era o nome que os gregos antigos davam às formas de sentir a presença da Realidade oculta no mundo que habitualmente vivemos. A presença dos deuses e dos demónios, dando a estes o seu sentido mais amplo. E por isso a celebração dos "Mistérios" era uma espécie de cerimónia sagrada, em que só participavam os escolhidos, em que se tratava para os deuses de retirar os véus e para os homens de abrir os olhos interiores da contemplação. O latim dos romanos trouxe depois uma palavra semelhante, "sacramentum", e por isso ainda hoje a minha Igreja e algumas outras falam de sacramentos e de mistérios. "Mistério da fé", diz o padre no momento em que o pão se faz corpo do deus vivo. Mas mesmo muitos dos que o escutam não sabem bem do que se fala, vivemos tempos tristes.

A Igreja Católica fala dos sacramentos como "a forma visível da graça invisível". Quer dizer, o ponto em que se cruzam, sem se confundirem, o humano e o divino, o efémero e o eterno, a limitação permanente da linguagem e a imensidão eterna do Ser. Mistério: aquilo que pode ser compreendido pelos homens (aquilo que QUER ser compreendido pelos homens) mas que é compreendido permanecendo intacto no mistério que já antes era. Aquilo que no olhar puro que podemos ser se contempla, se vive, se sente, mas se não explica nem se analisa. Mistério do amor, e talvez assim se compreenda melhor. Porque quem já amou sabe que tocar não explicou nada, mesmo quando nada ficou por dizer.

E assim o Universo inteiro é atravessado pelo Mistério (dilacerado pelo Mistério, apetece-me dizer), e por isso ensinam os sábios que numa folha de árvore ou no voo de um pássaro podes ler algumas das letras que compõem o nome de Deus. Mas eu ia falar de outra coisa, não era? Mistério da iniquidade, sim.

Em certos pontos, certos lugares, certos momentos, o Universo faz-se o contrário de si. A luz degrada-se na treva maior. A realidade que vemos torna-se a escrita selvagem de Alguém que reclama como seu não o Amor mas a insuportável inexistência. Como se o Abismo ganhasse uma boca ávida. Anti-sacramento, dizem os teólogos: mistério do Mal.

Há anos li uma entrevista a um grande cientista italiano (não a guardei, e já não recordo o seu nome); dizia ele (nunca o esqueci) que era ateu, e que com isso sentia uma insatisfação sem nome. "Sei que Deus não existe", dizia ele, "e isso para mim quer dizer que há no Universo uma insuportável ausência". Ah, a fé desse homem quisera-a eu para mim.

Não vou dizer mais por agora. A seguir está um link, e esse link conduz a um vídeo, e nesse vídeo vais ver muitas coisas se conseguires ter os olhos abertos. Vais ver o olhar puro de que eu falei atrás. Vais ver o que a tua tranquilidade permitir. Mas se olhares o fundo das coisas, se escutares as palavras adivinhadas, vais sentir na fronteira do visível uma presença que se rejubila na Ausência insuportável. É o mistério da iniquidade. E volto aos teólogos: Deus presente pela ausência, sub contrario, o universo fazendo-se o grito sacramental. Porque não é possível que o mundo seja simplesmente assim, toda a Terra procura um Rosto desde o instante da fundação das coisas.

Está aqui.

20 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Já tinha recebido este filme há tempo e deitei-o fora depois de o ter reencaminhado a toda a lista dos meus emails. É preciso mostrar mesmo como a insensibilidade mata a terra... a vida... a alma...
Voltei a vê-lo agora e fico sempre errepiada.

5/7/05 09:37  
Anonymous Anónimo said...

Luz, não é a "insensibilidade".

5/7/05 13:26  
Anonymous Anónimo said...

é insensibilidade, é ganância, é estupidez, malvadez, tudo o que de mais baixo existe. Olha, é um dos muitos infernos que povoam o nosso mundo. Nunca me passaria pela cabeça vestir coisas com peles. Calço sapatos, é verdade, mas por enquanto isso ainda não se resolveu e os plásticos fazem mal aos pés!
Mas por pura ganância e exibicionismo fazer isto, é degradante. Esta gente, não é "gente" - é um vómito... e no entanto alimenta uma indústria das vaidades e anda nas capas dos jornais e das revistas...de outros tantos animais, ditos racionais... mas muito mais destruidores que os outros que só matam para comer...

5/7/05 14:44  
Anonymous Anónimo said...

Luzinha, eu não disse que não "havia" insensibilidade... Disse (ou pelo menos queria dizer) que não é a insensibilidade que mata a vida e a alma. O homem que ali vemos é um carrasco e uma vítima.

5/7/05 20:38  
Anonymous Anónimo said...

E então?
Não vemos por todo o lado carrascos e vítimas?
E cada vez que vês os relatos das guerras não vês carrascos e vítimas?
E cada vez que vês gente faminta não achas que se ali há fome, há concerteza ganância noutro lado do mundo que pouco se interessa pela fome dos desgraçados?
Carrascos e vítimas entram-nos, a toda a hora pela nossa casa dentro através dos écrans, mas nós só compreendemos quando nos toca a nós directamente. Todos nós precisamos de água para sobreviver. Quantos se preocupam com isso? A floresta é o pulmão da Terra, quantos pensam nos gritos dos que tentam salvar a Amazónia?
Tentemos ser lúcidos e correr com os carrascos para deixar de haver vítimas.Não adianta chorar mas agir!Já te juntaste aqueles aue combatem os que matam os animais para fazer casacos de peles, aos inumeros ecologistas que lutam pela Terra? Começa por ti, nem que sejas só um grão e a colheita será farta!

7/7/05 10:20  
Anonymous Anónimo said...

Luz, sempre precipitada :P

A colheita não é farta, não. Já me juntei, sim. QUeres espreitar o meu post de 12 de Fevereiro? (embora apareça "zero" tem perto de oitenta comentários... a maior discussão da ribeira :) ...)

Mas nao era propriamente de animais nem de carrascos que eu queria falar. Era, como tudo o que digo aqui, de olhar. Olha o mal olhos nos olhos e não digas "agir, agir". Não quer dizer que não ajas. Mas entende o tipo de adversário que enfrentas. O Mal tem um rosto e um nome. O resto são máscaras, ou são escravos.

E não te esqueças da antiga frase do exorcismo: "todos os Espíritos louvam o Senhor".

8/7/05 01:15  
Anonymous Anónimo said...

Luz, também me precipitei, sorry... o post que eu dizia é de 16 de Fevereiro e não de 12 :)

8/7/05 03:13  
Anonymous Anónimo said...

Mas o que é que me interessa olhar o mal? Eu sei que existe! Não vou perder o meu tempo com isso! Há muita coisa boa e urgente a fazer, no caminho do bem... isso é que me preocupa e é urgente!

8/7/05 08:36  
Anonymous Anónimo said...

Ainda ontem o que aconteceu em Londres... se calhar a maior parte diz: malvados islâmicos! Eu digo malvado Bush que anda, pela sua ganância e tacanhez de espírito(nem sequer assinou o protocolo de Kyoto e é o maior poluidor do Mundo!) a espalhar a semente do mal que faz despertar fanatismos religiosos que levam ao terrorismo... são posturas de vida e a minha é esta! Aceito perfeitamente quem acha que o islamismo é a causa, para mim é só o efeito...

8/7/05 08:42  
Anonymous Anónimo said...

Já fui ver o teu post com a foto do amigo porquinho! Compreendi-te porque eu própria como podes ver pelo comentário que lá deixei, já andei por caminhos parecidos...
Aproveitei para dar uma vista de olhos à Ribeira. Agora conheço-te melhor, acho eu...!
Bjs

8/7/05 09:36  
Anonymous Anónimo said...

Um dia falaremos mais do imperador e do império, Luzinha. E tentarei explicar porque é que devemos olhar o mal. Porque é que devemos andar de olhos abertos (sabes, "é nosso dever, é nossa salvação"), e no fundo toda a ribeira é o canto alegre dos olhos sobre o lamento imenso do mundo. E eu fui quase o último a descobri-lo.

9/7/05 04:47  
Anonymous Anónimo said...

Luz, cada vez gosto mais de ti :)

9/7/05 04:48  
Anonymous Anónimo said...

Respondi-te lá junto ao porquinho.

9/7/05 04:58  
Anonymous Anónimo said...

Eu acredito no "Mal", com "M" maiúsculo. Está por detrás do Império, sim. E cada vez tem mais adeptos, até mesmo em Portugal.
Vera

9/7/05 19:58  
Anonymous Anónimo said...

Também em Portugal, sim, Vera.

9/7/05 22:54  
Anonymous Anónimo said...

Gold, bom dia!
Também te respondi junto ao amigo porquinho.
Bom domingo, vai à praia que está óptimo!
Bjs

10/7/05 10:06  
Anonymous Anónimo said...

Fogo!
Vocês estão a assustar-me! Que raio de Império é esse? Se é o dark side dos Senhores do Mundo,é óbvio que por isso é que há guerra e sofrimento e sei lá mais quê... São energia negativa mas se eu mantiver a minha energia sempre positiva,fico triste porque continuam a matar, a roubar, a desiludir mas a minha fé num mundo melhor é maior do que isso. É isso que faço todos os dias! Pedir a Deus que me ajude a manter as minhas energias sempre positivas afugentando todos os impactos de energias negativas que vão aparecendo pelo caminho. Meus amigos, a luz é superior às trevas!
Apesar de todos os dias vermos tanto mal, eu ainda continuo a acreditar que o BEM vai vencer e que um dia - talvez eu já não tenha o previlégio de ver isso aqui - mas verei do Reino de Deus - a Terra será um sitio mais bonito e sossegado do que é agora e todos os homens terão chance de viver em paz,se compreenderem que a paz só se consegue se dermos as mãos e deixarmos o egoismo.
O mundo espiritual branco e lindo é muito mais forte que o mal! Felizmente ainda há muito mais gente boa do que má!
Sou lírica? Que seja! É no que eu acredito e todos os Deus peço a Deus que ilumine este nosso mundo e quem o governa para bem de todos nós.
Bah! Agora estava a ler o que escrevi e parecia uma freirota a falar! Não sou nada disso!
Ainda hoje passei o dia na praia a tomar banhos e a torrar...

10/7/05 23:56  
Anonymous Anónimo said...

Luz. "Manter as energias sempre positivas" é... como hei-de-dizer? uma forma estúpida de suicidio. Mas tu lá sabes.

13/7/05 18:22  
Anonymous Anónimo said...

É suicidio tentar ser-se feliz? Ás vezes tem-se momentos que em andamos em baixo, mas rapidamente tento e graças a Deux consigo, ficar outra vez bem. A vida não é fácil para ninguém. Eu prefiro não sobrecarregá-la ainda mais com as invenções da minha mente.Eu só posso ajudar os outros se estiver de bem comigo.Não sou inconsciente nem alienada do que se passa à minha volta...
Beijinho,

15/7/05 09:20  
Anonymous Anónimo said...

Depende do preço a pagar. E as "invenções da mente" são muitas vezes tudo o que temos. Não estou a dizer para andar a choramingar pelos cantos. Mas não acendas na noite nada que não sejam fogueiras.
Um dia falamos disto mais devagar, se quiseres. Abraço.

17/7/05 01:29  

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