Caminhamos para a morte de onde viemos… ontem escreveram-me isto num e-mail, e as palavras voltaram-me ao ver devagarinho na internet a morte azulada de New Orleans.
Eu sei que as coisas serão refeitas. As paredes podem ser pintadas, as janelas envidraçadas, as ruas limpas como se nada tivesse acontecido. Mas se olharem com atenção verão que nada vai voltar a ser o que era. As coisas estão submersas e o que faz dos homens humanos começa a afundar-se também. "It's hard to believe this is New Orleans", diz alguém. Ao retirar doentes de um hospital, alguém disparou contra os carros médicos. "Fats Domino reported missing". Há crianças a gritar. Caminhamos sim, e o mapa que nos deram não está completo.
As árvores e as cidades não deviam morrer, isso devia ser deixado para os velhos e os pássaros, almas frágeis. É difícil acreditar, sim. É difícil acreditar que talvez não sejamos salvos. Acreditar que aquele ali podia ser eu. Que às vezes até morrem as coisas mortas.
Descansa em paz no céu das cidades puras, minha irmã New Orleans. Os homens farão uma cidade semelhante a ti, e uma placa há-de contar a tua história. E na noite que se aproxima pede aos teus fantasmas que chorem baixinho. Não vão os homens acordar.
5 Comments:
os fantasmas têm sempre o cuidado de chorar baixinho! por isso tarda o acordar os homens!
que se faça silêncio para que se ouça o gemido, para que se entranhe cá dentro a morte, para que se perceba a vida!
Quando a água escoar, ouviremos de novo o jazz e os blues, por essas ruas e casas reconstruidas semelhantes mas nunca iguais.
New Orleans é uma cidade "condenada" por nome a nunca ser velha, curioso não é? []
Para quando o acordar, para quando o olhar a Terra, nosso lar, com olhos e ouvidos de entender o grito?
Comentário talvez um pouco "deslocado" e abusivo a "Caminhamos sim, e o mapa que nos deram não está completo."
Ninguém sabe o que é viver, que resposta dar a certos anseios que nos tomam por inteiro e que de modo algum compreendemos. Fomos mandados para aqui e prosseguimos sem hipóteses de paragem nem livro de instruções. Vamo-lo escrevendo nós próprios, sozinhos e uns com os outros – cheio de erros, equívocos, contradições – e a vida prossegue como que indiferente às nossas interrogações existenciais. Caem para o aparente nada pessoas, cidades, países, arvóres, flores, pensamentos... Raio da temporalidade!...
Sei lá eu…
Talvez não se trate de responder, mas sim de…
Um abraço
... pois. E no entanto tem que existir alguma coisa eterna, não no fim do mundo mas mais perto de nós que a coisa mais próxima. Às vezes isso rasga-me.
Um abraço, Vitor.
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