É verdade que, como disse a gotika, a depressão é a raiva virada para dentro. Mas aprendi também que o medo, quando temos medo, é o que temos de mais precioso: impede o mundo de avançar ao nosso encontro. Protege-nos, como se fosse uma Mãe adorável. De modo que a solução não pode ser "vencer" o medo, como se "vence", na infância, a aversão à sopa. Não temos onde nos apoiar se o quisermos confrontar. Por detrás dele somos tudo o que há para ser, através dele ou contra ele nada fica que seja nosso. Por isso o medo é o senhor mais terrível.
Solução?
Eu tinha uma bicicleta verde e branca com rodinhas, a minha irmã tinha uma preta já do tamanho das pessoas grandes. Falava ela (e falava o meu pai) de ter eu crescido o suficiente para que as rodinhas fossem tiradas. Desaparafusaram-nas enquanto eu chorava. Subi. A bicicleta verde e branca estava tão assustada como eu. Não pude andar. Fiquei a ver a minha irmã a dar voltas pelo jardim, aparecia e desaparecia atrás da ameixoeira grande e dos tanques de pedra. Vinha até mim e ia-se embora. Eu sentava-me no selim pequeno e não fazia mais nada. E assim foi vários dias.
Até que perdi a cabeça com qualquer coisa que a minha irmã me disse e corri para ela para lhe bater. Na bicicleta verde e branca, sem rodinhas.
7 Comments:
Bicicletas verdes e seus mistérios ontológicos...rs
Eu estive a pensar nisto desde ontem porque não percebi o que queres dizer com isto.
E "dizer" é mesmo a palavra, é até o título do post. E terminas o post falando em partir para a acção (atrás da irmã, andando na bicicleta).
Será que continuas a confundir o dizer com o fazer?...
Mestre Gold.
Truque do ovo e da galinha: e a raiva a depressão virada para fora...
Abraço.
Gotika, suponho que não há (em mim) grande diferença entre o dizer e o fazer. Vou pensar. Mas dizer pode ser fazer (haverá diferença entre a raiva de um grito e a raiva de um prato atirado contra a parede?), e fazer pode ser dizer (fazer de conta que não vejo na rua uma pessoa, por exemplo).
Quero dizer com isto que o que me cala manieta-me também (embora já tenha por duas ou três vezes agido sob o impulso da zanga - penso que esta da bicicleta tenha sido a primeira, ou pelo menos a mais antiga que recordo - e nunca tenha dito nada sob o mesmo impulso. Minto. Uma vez disse uma série de coisas a uma namorada. Desagradáveis. Sob uma espécie de efeito "gota de água". Disse-as de uma forma estranha, em voz baixa, como se não fossem coisas que "sentisse" mas uma história que contasse. Deviam ser verdadeiras, porque o efeito nela foi muito grande. Sei que as não saberia racionalizar se estivesse muito contente a escrever-lhe uma carta. Para meu grande espanto, nessa altura, a razão da nossa zanga diluiu-se a partir daí. Agora comperendo melhor, e sei que ela era também uma pessoa invulgar).
Mas diz-me mais, se puderes.
Vítor, lembras-te daquela frase do Brecht? "do rio que tudo arrasta se diz que é violento; mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem"...
Hum. Isto tem mais que se lhe diga. Tem sim senhor. Mas acho que precisava de voltar ao "exercício de psicanálise", como lhe chamou a gotika, e esses posts demoram-me um tempão.
haverá diferença entre a raiva de um grito e a raiva de um prato atirado contra a parede?
Porra, então não há?!?!?
Para o prato, sim.
O verde é o verdadeiro mistério... por isso é verde!:)=
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