RosasVale mais o dia da morte do que o dia do nascimento
, diz o Talmud dos judeus. Ou pelo menos a Eliette Abécassis, no livro que ando lendo, conta que se lêem no Livro essas palavras tremendas.
Valem as coisas quando acabam, vemos as coisas quando aos olhos não chegam mais. A música, a insuportável beleza da música: ouvimos, e já não há o que ouvimos; dançamos, e o gesto derrama em nós a saudade permanente do gesto (a forma irrepetível das nuvens).
Tudo me será dado no mundo, menos saber a minha própria morte. Ver-me a mim como coisa a acabar. Por isso nas coisas que amo é o fim delas que eu amo, é o fim delas que me principia. Sim, coisa que não é terra nem mar.
Ontem escrevi, e pensei que estaria bem se a ribeira parasse: fim. Se parasse eu ali com ela. Não sei se sei morrer. Não sei ser o mar, a parada dança das ondas (quantas ondas tem o mar, dizia o meu avô velho, quantas vezes a mesma onda bateu)
Não parou a ribeira, não parei eu. Vejo e ando e sinto e penso e a essa coisa se chama vida, e dela se diz que é como o rio a passar. Mas o rio tem margens, e margens não sei em mim (anda o Porto a fazer-me falta, anda-me o Douro a chamar)
Ontem era talvez o fim, as rosas.
[pintura: o dia da morte, de William Adolphe Bouguereau]