Cai o tempo na terra dos corpos. Cai no mundo como o orvalho da manhã e as folhas de outono, engana-se quem creia haver nele coisa a passar. O tempo cai. Na densidade morta das coisas tomba, no fim o reino inútil da medição dos passos frios: que somos nós, para crermos ser isto só?
Na terra amarga o tempo pousa. Poeira do ser, como pó rejeitado na escadaria inabitada: pelos séculos dos séculos a sombra, a abissal majestade da sombra. E de poeira e sombra sou feito, se os olhos não me derem ver: não já o tempo, mas a forma que o tempo cala ao cair, a tremenda presença que o tempo caído oculta. Se os olhos me não deixarem dormir. Alma, na terra amarga os olhos morrem-se.
As coisas mandam-me olhar, da terra densa dos corpos. O olhar inteiro a que chamamos anjos. Em toda a contemplação há caminho de um templo, em todo o templo se desmente o tempo a cair. Na terra amarga eu caio: alma, no teu lugar sem nome os corpos gritam.
Há silêncio no tempo, tanta treva na imensidão dos mundos: alma, o tempo cai na terra dos mortos. À minha volta a terra, e em mim a espera silenciosa e frágil da terra. Por mim a espera ansiosa da terra: e todo o corpo é túmulo do verdadeiro Adão.
A língua, a negra ausência dos anjos: alma, nome oculto dos meus olhos de ver.
30.1.07
17.1.07
Fechada sim, à espera de quem se faça digno de entrar: "buscai e achareis, batei e abrir-se-vos-á". Guardada no Leão e na Serpente, no sol e na treva, no espaço e no tempo, na força e na astúcia. Porta fechada, em ti se esconde o interior das coisas: porque ver é tocar.
O Leão, guardião dos lugares: sobre a roda de fogo do mundo (a juba), o triângulo divino (a face). Todo o lugar é a morada do Ser.
A Serpente, senhora dos tempos: cruzam-se em círculo a cabeça e a cauda, como todo o fim que se faz princípio (e ao princípio há sempre um Príncipe...). No duplo anel do infinito, a eterna restauração da inocência. Pois todo o anjo é irmão de um demónio antigo.
O encontro dos opostos à porta da porta fechada: sob o Leão e a Serpente, Janeiro 17. Um bom dia para recomeçar, tempo da celebração do duplo.
È Janeiro o mês de Janus, o deus barbudo da face dupla que rege a porta e a passagem da porta: o olhar-atrás e o olhar-além, o olhar-dentro e o olhar-mundo.
Janeiro 17, dia de Santa Madalena dos Mistérios. Arcano 17: a estrela. As coisas falam de coisas. Esta porta que vês está em Veneza, e a Veneza me liga um estranho laço que tem a forma de um leão e que tem a forma de um livro. Um dia falarei mais sobre a filha das águas mortas.As coisas falam de coisas: passa o tempo sob o olhar imóvel do leão, símbolo de deus e do dia, passa o mundo sob a serpente, símbolo da forma e da distância. Em mim e em ti guarda o leão, aguarda a serpente. Em mim e em ti há mundos à porta fechada. Terrível é este lugar para quem saiba ver, terríveis os anjos dentro.
Por minha vez abro os olhos...