Cada vez mais as pessoas são para mim um pedaço de paisagem. Dito assim pode parecer frio, e não sei se é. Dito assim pode parecer triste, e não sei (ao fim de tantos anos) se de outra maneira alguma coisa se tornaria alguma coisa. Mas cada vez mais as pessoas são pedaços de céu, ondas de mar, arcos-íris, chuva. E eu gosto muito da chuva e do mar (do céu nem tanto).
Olho-as muito, e olho-as quase sempre com atenção. Às vezes alguém parece uma praia, e apetece-me levar para casa uma concha pequena que lhe não faça falta. Às vezes alguém parece uma montanha, e apetece-me ver o mundo com os olhos que leva tão altos. Às vezes alguém parece o deserto, e aí me gostava de perder para que finalmente houvesse um fim. Não as guardo inteiras cá dentro, mas tenho bocadinhos de imagens como se tivesse tirado uma fotografia na praia e uma fotografia na neve. E digo olha como eu era junto de ti, olha como o teu gesto me guardou, olha.
Olho-as muito e penso cada vez mais. As pessoas são tantas. As pessoas são tanto. E andam quase sempre tão veladas. Ou sou eu que só as vejo ao longe, não sei. Não me aproximo delas, aproximo-me às vezes do silêncio que trazem. E não sei o que fazer às palavras que me entregam. Palavras já eu tenho dentro de mim, palavras soltas e palavras que andam aqui, quase caladas.
Já me disseram (e já acreditei) que é através dos gestos que o silêncio se abre mais, porque os gestos (os gestos verdadeiros) mais não são do que silêncio a voar. E cada vez mais olho os gestos das pessoas todas, à procura das asas quietas. Mas não gosto que os gestos venham ter comigo, não gosto sequer (cada vez mais) que olhem para mim. Porque então chega nos gestos a ambição das coisas. Chega com o olhar a palavra "poder".
Gostava de ser eu o pedaço da paisagem. Gostava de ser só a chuva a cair.
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