20.1.05

Espaço dos Leitores

Exm.º Senhor:

De entre a vastíssima e desigual produção do saudoso vate de Guardanapos (cuja obra, talvez injustamente, foi comparada à do imortal Aurelio Jorge Taborda), poucos textos lograram ser tão comentados e (esperamos demonstrá-lo) tão incompreendidos como aquele que mereceu da pena do austero director da Anáfora Paulistana o raro e apressado epíteto de "delicioso".

Como é do conhecimento geral, aceitaram generosamente os tribunais competentes que lhes confiássemos a simples, embora tardia, tarefa (mas fiat justitia et pereat mundus, para quem não preferir a mais rigorosa formulação adoptada como divisa pelo subtil arquiduque Fernando de Áustria, fiat justitia et ruat celum, quando, em 1507, despontavam no horizonte da História os infelizes sucessos de Bürgerlicht) de dissociar em definitivo o nosso nome da semanticamente duvidosa expressão "denominação obscena do impostor" que, desde os estudos pioneiros de Hortensia Becerra de Becerra (da breve incumbência da arguição da sua tese de doutoramento relativa à data da morte da avó materna de Dante nos encarregámos, muito depois, com notável imparcialidade), foi apontada apressadamente como a principal indiciadora do carácter autobiográfico do inacabado devaneio nocturno de Goldmundo Ribas a que agora vimos fazer a (ousamos esperá-lo) definitiva referência.

Não somos, destarte - encerrados que se podem considerar os lamentáveis incidentes a que a precoce senilidade e a tão bem conhecida impulsividade gaúcha do malogrado discípulo de Uriarte Moncloa ambicionaram dar azo nas veneráveis páginas da Gazette Trimestrielle des Poids, des Mesures et de la Tauromachie Paleozoique de La Loire-et-Seine (IIIéme serie, vol. CCLXXI, tome 2, janvier, pages 446 et passim) - movidos senão pelo desejo de contribuir, na escassa medida dos nossos talentos, para o esclarecimento do contexto psico-sociológico em que deve (em que reclama) ser analisada a obra menor (no sentido Hohfeldiano do termo) de Diego Goldmundo Ribas de Incarnación Eusebio.

Dado o exíguo espaço a que nos vemos remetidos, e para que se não diga, com Welzel, que o rigor não consente (ainda que momentaneamente) ser dispensado pela justa indignação na ingrata lavra do campo pedregoso da verdade, tomamos a liberdade de prosseguir em tempo oportuno a demonstração de que o Tapor é apenas o produto da mente poética de Ribas, e de que a melancólica cidade do Mondego nunca foi - nunca podia ter sido - inquietada pela presença turva do Cappo di Tutti Capi, como Goldmundo Ribas sugeriu e a infeliz Licenciada Hortensia Becerra de Becerra quis acreditar. Cada um faz, Exm.º Senhor, o Pêndulo de Foucault que pode.

Atentamente,

Aloïsio Montoya
titular substituto da cátedra de Introdução à Compreensão da Abstracção da Razão
Facultad de Ciencias Metempsicoticas
Universidad Libre de Guadalajara
(San Silvestre de Chupitos)