2.2.05

From Russia with Love



Estava ao fundo do bar uma rapariga de azul, havia a música da Dulce Pontes, "o meu batel...", havia cerveja que era tudo (quase tudo) o que eu procurava. Tão tarde, não é, tão triste... Mas não procurava a rapariga de azul, nem sabia que ela lá estava, e a primeira que tinha vindo ter comigo (na porta ao lado não havia Dulce Pontes) era colombiana e disse-me que se chamava Vanessa.

Era linda sim, e por isso não chamava a atenção, sentada de azul na mesa do fundo, e junto a mim havia um homem de sessenta anos (careca, vestido de vermelho e verde, abraçado a duas brasileiras e ainda o ouvi dizer "sou o maior") e havia homens sozinhos e no fundo todos estavamos sozinhos e eu achei que talvez algumas delas soubessem disso. Sim, não chamava a atenção nem chamou por mim como fizeram primeiro a Vera (romena) e depois a Tatiana (portuguesa). Fui eu que chamei por ela e por quem chamei foi pela Russia. Pela Russia que trazia dentro de mim.

Se numa destas noites viste uma sombra num bar de alterne a falar duas horas com uma rapariga de azul... Sabes, falámos de Tolstoi (é a fotografia dele que está aqui, o meu amor russo não precisa de ser jovem e falso), falámos de Gorki e de Lermontov, de Tschaikovski e de Prokofiev, de Lenin e das manhãs de 89 em que a estrela caiu (ela era pequenita e lembra-se de que nevava em Moscovo). Contou-me histórias de Dostoievski e contou-me histórias de Elizabetha a Czarina. Ivan Grozni, pois. Já esteve em S. Petersburgo e também já esteve em Sintra. Pois, eu sei. Veio para cá, trabalhou num hotel, vida difícil, dinheiro, esta vida também não é assim tão má (terá ela um daqueles namorados que fizeram o Afeganistão e que te matam sem pestanejar?). From Russia with love.

Era muito bonita sim, e por isso não chamava a atenção de ninguém e às vezes é bom passar um tempo com uma rapariga que fala devagar e que tem umas mãos que só podem ter sido feitas de neve e de Sibéria e é por isso que ela faz o gesto de se embrulhar num xaile como se se tivesse esquecido de que cinco graus não é assim tanto frio. Estudou direito, pensou advogar, gosta de discotecas e de luzes, olhos azuis. Alternadeira, dizem os jornalistas, e todos os outros dizem outras coisas e pensam em coisas que só dizem quando estão encostados àquela parede de veludo encarnado, brasileiras tão fáceis. Eu não pertenço ali. Mas estou bem, porque não pertencer sei bem o que é. Mais uma cerveja, e voltaram a pôr a Dulce Pontes, agora canta o italiano cego, que pensará ele quando lhe falam deste azul, desta Russia, deste amor junto aos cortinados de veludo? Sei lá, quero é beber e ouvir falar do Guerra e Paz e do General Rostopchine que incendiou Moscovo em 1812. Sim, história nesta mesa e histórias nas mesas à volta, sei lá, não quero saber.

Despediu-se com um sorriso engraçado.