28.7.05

Prendi-me a coisas



Prendi-me a coisas como se tivesse medo que elas se não prendessem a mim, me não guardassem. Prendi-me a lugares e a histórias e a pedaços de música e algumas vezes até a coisas frágeis: um sorriso que não era comigo, uma carta de amor que por engano abri. Prendi-me a todas as sombras do sol, amarrei por dentro as tardes calmas. Prendi, aprendi. Prendi-me a coisas nenhumas, ao ver que as coisas todas me largavam. Prendi-me à ribeira como se nela prendesse a rapariga de outono. Necromante de mim. Perdi-me. Não aprendi coisa nenhuma.

Parei, como se subisse a uma colina pequena. Como se tivesse saltado o muro e tivesse outra vez a bicicleta que foi comigo há tantos anos. Prendi-me, perdi. Os caminhos dão voltas às coisas, nenhum deles levou a mim. Nenhum deles me levou. Não sei porque é que o fim não é a primeira coisa a saber-se. Porque é que não começo por escrever o último parágrafo.

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

ólá gold...axo que só teremos a noção do caminho quando já o tivermos feito...a noção do fim quando já tivermos vivido, quando já estivermos impregnados e tivermos impregnado outros...aí ganharemos a noção que o nosso odor, o que transportamos, é diferente dakele que partiu, apesar de já ter sido o mesmo...o fim é sempre a tristeza do desencontro, da irremediável perda que levou um pedaço de mim...é doloroso...sem dúvida...

De passagem

29/7/05 02:19  
Blogger I Am No One said...

Porque o "fim" do caminho não existe, "Não somos nós que percebemos as coisas, são elas que nos percebem a nós" um amigo ensinou-me isto, não há muito tempo. ;) []

29/7/05 13:55  
Blogger maria said...

Das utopias

Se as coisas são inatingíveis..ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!

Mário Quintana

29/7/05 18:45  
Blogger Goldmundo said...

"...Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Tereza em místicos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?

Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros
- Sem nos dar braços para os alcançar?"

Florbela Espanca

29/7/05 19:39  
Blogger katrina a gotika said...

As tuas entradas são mais crípticas que a relação entre a Atlântida, a maçonaria e o Mário Soares.
Mas talvez agora eu esteja a perceber porquê. Nós mostramos o que recebemos.
(Agora fui eu que fui críptica.)

30/7/05 01:10  
Blogger maria said...

Carta de navegar

"leer las aguas" será siempre un sueño
mayor que mis estudios. No consigo
leerme por debajo, serme dueño,
tonerlas todas, a la vez, conmigo.

Flotan sombras de mí, maderas mortas.
Pero la estrella nace sin reproche
sobre las manos de este niño, expertas,
que conquistan las aguas y la noche

Me ha de bastar saber que Tú me sabes
entero, desde antes de mis días;
que en Ti voy siendo la verdade que hago;

que has puesto en mis tesoros y en mis llaves
Tus luminosos ojos por vigías
iy que eres mi Camino de Santiago!

D. Pedro Casaldáliga

30/7/05 10:54  
Blogger Goldmundo said...

Crí(p)tica ou não, a única, sim. Terei sido agora semelhante a ti?
"Mostramos o que recebemos". Gostei disso.

30/7/05 14:32  
Blogger Goldmundo said...

MC, foge daqui. A noite alarga mas não larga.

30/7/05 14:49  
Anonymous Anónimo said...

"Mostramos o que recebemos". Gostei disso.

Mas tb recebemos o que damos/mostramos.

[contudo nem sempre, que nem tudo na vida é linear...]

*

31/7/05 17:21  
Anonymous Anónimo said...

Só podemos dar aquilo que temos... e talvez só tenhamos aquilo que recebemos...misturado com o que sabemos nunca poder ter...

1/8/05 08:13  

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