3.4.06

Destruir, diz ela (Détruire, dit-elle)

Sábado e Feira da Ladra. Marguerite Duras, um euro. Nunca tinha lido nada da Marguerite Duras. Suponho que já não se "vende". Comecei a ler enquanto comia, mesmo antes de ir para casa. Ainda não parei, o Orlando vai ter de esperar, o que me falta do Artaud vai ter de esperar. Détruire, dit-elle.

Um texto que parece uma sombra densa. O peso de cada gesto, de cada palavra, de cada silêncio. Dois homens e duas mulheres. Um hotel. Julho. Uma sala de jantar, um relvado junto a campos de ténis (o bater ritmado das bolas de ténis). A floresta ao fundo, como se fosse um lobo a aguardar. Todos os erros do mundo.

Max Thor (queria escrever um livro. mas em cada noite mudam as coisas que eu escreveria se escrevesse). Alissa (ele é professor, eu fui sua aluna. tenho idade para ser sua filha. casámos sim). Stein (Alissa sabe. mas que sabe ela?). Elisabeth Alione (a senhora Alione tem medo da floresta). Todos se conheceram ali, excepto Max e Alissa que são casados (conhecem-se? É Stein que a descreve, é Max que escuta). Stein vê Alissa que vê Max que vê Elisabeth. De vez em quando pensamos "um deles não é um personagem mas o escritor. vê tudo, sabe tudo (mas que sabe ele?)". De vez em quando não pensamos. As frases umas a seguir às outras têm a sua lógica (um diz uma coisa, o outro responde uma coisa que não é uma resposta), o todo é o som da loucura a chegar (ao fundo a floresta, como um lobo prestes a saltar. o bater ritmado das bolas de ténis).

Apercebemo-nos, com horror, da razão do horror. Eles estão todos a dizer a verdade. A verdade em estado bruto, como se fosse ferro extraído da mina. Dizem-na, mesmo quando não a sabem ("Alissa sabe. Mas que sabe ela?"). Stein e Max: Dois homens que são o mesmo homem. Alissa e Elisabeth: duas mulheres que são a mesma mulher ("somos tão parecidas, não acha?"). Quatro que são dois que são um, como nos livros assustadores da Ana Teresa Pereira. Um que não é coisa nenhuma. Nada. ("estou a caminho de ser um escritor", diz Max. "desde sempre a caminho, não?", diz Stein).

A verdade. Vou a meio do livro (pequeno, cento e vinte páginas com letra espaçada e frases curtas como punhais). Já é inevitável a destruição. Já é inevitável. ("é fascinante ver-vos viver", diz Alissa, "e terrível").

(o bater ritmado das bolas de ténis)

8 Comments:

Blogger Unknown said...

Pois é, a Duras é assim mesmo. Já não se usa, talvez, lê-la. Já não se usa ler literatura, essa é que é essa.

4/4/06 00:20  
Blogger Goldmundo said...

Li há dias um artigo que o Eduardo Prado Coelho escreveu (sobre a Ana Teresa Pereira) em que conta que a Margarite Duras disse uma vez "havia uma criança que perguntou à mãe o que era o calor, e a mãe respondeu é quando a gente estende a mão e se queima. E a criança perguntou e o que é o calor quando não há ninguém?" E disse a Duras: "os meus livros são parecidos, o que é o amor quando não há ninguém?"

4/4/06 14:38  
Blogger /me said...

Mesmo assim, continuo sem gostar do EPC. :P

4/4/06 16:24  
Blogger Goldmundo said...

Eu perdoo-lhe tudo, desde que foi por ele que conheci a Ana Teresa Pereira (é uma escritora que ... hum... escreve não muito bem - suponho que pensa em inglês - mas escreve aquilo que eu gostava de ter escrito, ou vivido). De resto, sabe demasiadas frases para o meu gosto. E lê livros demasido recentes... :)

4/4/06 20:00  
Blogger /me said...

A vantagem dos franceses é que podem dizer quase tudo e saem sempre com ar charmoso. Bah.

5/4/06 11:07  
Blogger Goldmundo said...

Sair com ar charmoso é uma desvantagem, /me.

5/4/06 12:31  
Blogger Vítor Mácula said...

A um euro é fixe...;)

5/4/06 13:31  
Blogger /me said...

Como assim, goldmundo? :)

5/4/06 14:28  

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