27.5.06

Dancing with myself: vigésimo sétimo mês, ribeira

§ 1. A ribeira entrou no vigésimo sétimo mês, 3 x 3 x 3. Tanto. E tanto que me mudou, tão devagar. O segredo da vida está na água a correr.

§ 2. Este lugar fez-se sem querer o primeiro lugar tranquilo, Robinson Crusoe de mim. Nunca foi um diário, nunca foi um lugar de histórias. Fiz-me companhia, acordei um a um os que em mim andavam adormecidos. E tantos que eu era.

§ 3. Ainda não sou capaz de tanta coisa. Mas já consigo não ser, e isso é ser tanto.

§ 4. O meu sonho de hoje: outra vez um teatro antigo, as colunas enormes e as varandas douradas dos camarotes. No sótão vive uma mulher morta (vi-lhe os ossos do pulso tão brancos no lugar das mãos) que me quer matar. Não me perdoa ter começado a dançar. Fujo. E até a minha fuga se faz dança, e ecoa nas paredes velhas o grito da sua raiva inútil. Devagarinho a minha sombra se faz a sombra do caçador. Avança, mulher morta dos ossos capa estéril. A tua morte morre aqui.

§ 5. O meu totem foi sempre o lobo. No fundo dos meus olhos consegue alguém reconhecer a fome?

§ 6. Uma vez há muito tempo a gotika chamou-me a atenção para a minha obsessão com a pureza. Sim. Demorou-me muito a abraçar as terras sujas de dentro.

§ 7. Sol negro. E todo um mundo se revela, rasgadamente intacto.

§ 8. Uma das coisas que me assustava quando em criança encontrava outras crianças era o de elas andarem sempre a brigar, mas serem incapazes da verdadeira violência. Tigrinhos de unhas rombas, a quem a dor punha a chorar. E fiz-me cordeiro para as proteger.

§ 9. Construí-me a partir do olhar com que me fui olhando. O que mais custou foi, no fim, dar-me os meus olhos.

§ 10. Quando as pedras se fazem lume, que clarão.

§ 11. Geneticamente venho do ar dançarino da Galiza, da terra solar da Andaluzia, do fogo líquido do Douro, da água imensa e vegetal da Amazónia. Marinheiros, ciganos, camponeses e escravos. Mas ainda não sei quem fui antes de nascer. Talvez uma das formas do nada.

§ 12. Não aprendi a dança dos pássaros, mas a das árvores.

7 Comments:

Blogger Lord of Erewhon said...

És um passaroco!:)= andas virado para a aforística? JAJAJAJA!!!
Até que enfim endireitaste a template!
Abraço.

28/5/06 03:30  
Anonymous Anónimo said...

os mortos são sempre uma coisa de teimar que nos deixa olhar com "olhos de ver" a vida...

(mesmo que a vida seja morte... a vida é sempre morte...)

os mortos ressustitam-nos sempre - porque temos de os chorar e lavar com as lágrimas os olhos da alma...

29/5/06 14:03  
Blogger Musgo said...

Este comentário foi removido por um gestor do blogue.

29/5/06 14:12  
Blogger Musgo said...

E há vinte e seis meses que ando por cá, e há quase outros tantos que a ribeira passa em Tir Na n'Og.

Não é tudo isto tanta coisa?

29/5/06 14:14  
Anonymous Anónimo said...

as tuas palavras cantam e eu vou continuar a dançar ao som do teu grito...

a sophia retorna à dança das palavras... (não ligues nunca às palavras que deixarei aqui- são de tagarela inútil - falo demais sabes...- servem só para me permitir retornar ao silêncio)

obrigada por seres um lobo baço... nunca conhecerei a tua cor...

abraço terno ao gold. das raízes de árvore antiga...

29/5/06 14:30  
Anonymous Anónimo said...

todo o nada é sempre tanta coisa musgo...

todo o calar fala...

29/5/06 14:31  
Blogger CVJ said...

A dansa das árvores é talvez a mais complicada e mais difícil, mas certamente ao mais feliz, porque acollhe as outras dansas, as dos pássaros. E a flicidade não está só na dansa, mas sobretudo na abertura, no acolhimento.
Bravo.
Um abraço
Leonel

31/5/06 22:17  

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