18.1.08

Post mortem



A Libânia de Magalhães, avó bruxa do meu bisavô M.,
que morreu sem saber assinar o nome mas que
sabia a noite dos montes e o sujo sabor do sangue


As coisas mais bonitas que já li fui eu que as disse.

Demorei muito a conseguir pensar isto sem vergonha, mais ainda a conseguir dizê-lo. Mas a Ribeira era para ser o lugar de dizer as coisas. E há dias percebi que era assim que devia ser, assim só que podia ser.

Quando falamos, ou escrevemos coisas úteis como uma receita de cozinha ou uma declaração de IRS, pensamos em coisas e pensamos nelas através do nome que lhes damos. "Lápis" é a palavra que me faz chegar ao objecto-coisa quando na papelaria digo "quero um lápis", e também podia dizer "F-35" ou "Tolstoi n.º 7". Bastava que o vendedor me entendesse, e que além de entender me estendesse o lápis. No mundo dos vivos, todas as palavras são chaves (e é por isso que todas as chaves são falsas).

Mas eu escrevo, e quando escrevo não é nas coisas que ando a pensar: a pensar tinha andado eu antes. As palavras não são sinais a apontar para o mundo, são mundos de abrir em mim, coisas de andar, mistério. No mundo que eu sou, todas as chaves são palavras.

Na escola ensinaram-me que a "Poesia" (que palavra tão feia) era o falar de coisas bonitas: o Sebastião da Gama, que era poeta e professor, escreveu num livro um poema de uma criança-aluno: "o amor é um pássaro verde num campo azul". Um pássaro verde é medonho, digo eu, e campo azul não sei que seja; mas não me interessa falar de coisas bonitas.

E por hoje basta.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

:]

24/1/08 00:36  

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