15.5.04

Sobre o meu coração pesam montanhas...

Hoje - agora - estou exactamente como não gosto de estar. Na fronteira de tudo. Tenho à minha frente um espaço para escrever e só estou a escrever que tenho um espaço à minha frente. Um bocadinho menos e ia fazer outras coisas, talvez acabar de ler um livro de história ou pôr em ordem apontamentos. Um bocadinho mais e saberia escrever e quereria ouvir música e quereria entrar na noite. Mas agora sou este nem uma coisa nem outra que me cansa mais do que toda a tristeza do mundo. Pareço um post-it que perdeu a cola.

Lembrei-me agora de ter dois ou três anos e de a minha mãe perguntar se eu tinha calor com o casaco vestido. Não, disse eu. Ela tirou-me o casaco. Tens frio? Não, disse eu. Sabes a diferença, perguntou a minha irmã. Não, disse eu. E voltaram a pôr-me o casaco. E lembrei-me porque talvez seja isto o andar triste. Não é quando escrevo. É quando não sou capaz de dizer nem de andar nem de entrar na noite como quem entra num amor grande.

E lembro-me de tantas coisas. Há tantas coisas que vi e pensei e toquei e perdi desde a última vez que aqui estive a escrever, tantas coisas de que queria falar. E de repente não tenho paciência, ou talvez seja por estar a escrever à pressa e por ser muito cedo e por estar num computador que não é o meu. Ou talvez seja porque já sei o que ia dizer e se já sei não vale a pena repetir-me.

Sim, e os versos da Florbela:

Perdi a minha taça, o meu anel,
A minha cota de aço, o meu corcel,
Perdi meu elmo de oiro e pedrarias...

Sobem-me aos lábios súplicas estranhas...
Sobre o meu coração pesam montanhas...
Olho assombrada as minhas mãos vazias...