1.12.04

Un Dó Li Tá, Moeda Boa, Moeda Má...

Mais um governo que aluiu, não se distinguindo nisso das pontes e dos túneis. Mais um tempo de espera festejado por pombas e saudado em surdina por falcões. Nada em que valha a pena demorar.

Vale a pena, no entanto, apontar a mentira onde ela se encontre. Refiro-me ao temível Professor Cavaco, que penosamente atravessámos há alguns anos (ai da memória curta dos povos) e que anunciou, pela primeira vez, o Homem Novo que causaria a admiração da Europa. Lembro-me dele, em tronco nu, trepando a um coqueiro, numa fotografia que fez as delícias dos jornais e a incredulidade da multidão.

Pois esse senhor veio avisar, no seu jeito de economista controleiro das coisas, que os políticos maus expulsam os políticos bons, como a má moeda expulsa a boa. É portanto urgente chamar os bons políticos, que é como quem diz desentesourar a boa moeda e lançar a má para o caixote de lixo da história.

Se eu estiver na república das bananas em férias e se puder pagar um táxi com dólares ou com o que seja a moeda local (imaginemos os "bananeses"), prefiro pagar com bananeses e guardar os dólares para o que der e vier. Há jogos de cartas que têm esta lógica simples: entrego aos meus parceiros os duques e quadras e vou guardando os ases e os reis. É por isso que as moedas de ouro nunca, antigamente, ficavam em circulação muito tempo: guardavam-se em covas para os tempos de guerra e de fome, e pagavam-se os impostos em notas do banco público ou, antes disso, nas moedas "quebradas" pelos reis (as moedas "quebradas" eram moedas que valiam, nominalmente, mais do que o metal de que eram feitas; os reis lançavam moedas de prata e, a pouco e pouco, misturavam outras coisas na prata mantendo o valor que aquilo teria se tudo fosse feito de prata pura. A economia é uma coisa simples para quem não leia demasiados jornais).

É uma coisa simples, e é por isso que a comparação do Professor Cavaco, vinda de quem vem, é prova de uma desonestidade intelectual que nos devia relembrar outras histórias do homem. Os bons políticos não estão entesourados em covas fundas à espera dos tempos difíceis. Eu não tenho bons políticos guardados, à espera de tempos novos. Antigamente, se a fome ou a peste ou a guerra fizessem por algum tempo desaparecer a polícia e a ganância dos cobradores de impostos (os novos xerifes de Nottingham vestem gravata mas continuam a ser tão salteadores como há mil anos) eu só conseguia comprar uma vaca se o vendedor tivesse razões para confiar em mim e, principalmente, no pagamento que lhe propunha. Ou seja, se eu tivesse oiro "sonante e cantante". O ouro - a "boa moeda" - era e é um problema de confiança.

Não é preciso ser um génio para entender que neste sítio que insiste em se considerar um país nenhum político merece confiança e a ninguém que mereça confiança ocorre sequer a possibilidade da política. Não há moeda boa. Há falsificações baratas, daquelas que se notam logo no toque, e falsificações elaboradas, daquelas que só os laboratórios detectam a tempo. Há políticos apalhaçados (do I need to name someone?) e políticos sisudos (ainda há dias alguém num jornal chamava pelo General Eanes, pelo amor de Deus). Há tontos que sabem que são tontos e tontos que se levam a sério. Mas não há ninguém em que possamos depositar cinco gramas de confiança. Ninguém que valha o preço da vaca que nos querem comprar.

Quer isto dizer que não há solução e que nada vale a pena? Não. Há, para já, duas soluções. Uma é a de escolher a falsificação mais caricata que o mercado nos ofereça. Não há falta delas. Prepararmo-nos para viver, quotidianamente, a hilariedade. Não deixar que se diga nem se faça nada de sério. A outra é, permanentemente, jogar uma variante do jogo das cadeirinhas que consiste em permanentemente - sim, permanentemente - tirar a cadeirinha ao tipo que se prepara para sentar. Em Junho foi um, ontem foi outro, esperemos que o próximo esteja a andar lá para Abril ou Maio.

Claro que ficamos com problemas terríveis por resolver. E se houver outro Prestige? E se houver mais desemprego? E se (como anunciou há três dias, não sei se alguém reparou, o director da Organização Mundial de Saúde para a Ásia) tivermos este Inverno ou no próximo uma epidemia global como foi a Gripe Espanhola em 1918 - mais mortos na Europa que a Primeira Guerra - e que, nas suas palavras, poderia fazer cem milhões de vítimas no mundo antes que as vacinas estivessem disponíveis? (Não se assustem; isso dá apenas, feitas as contas, cento e cinquenta mil mortos em Portugal - muitos de nós ficarão vivos). Pois, problemas terríveis, mundos frágeis. Mas olhem bem para a cara dos senhores que fingem que nos governam, olhem-nos como se estivessem a perceber se o tipo que vos quer comprar a vaca está ou não a passar moeda falsa. Um a um. Moeda boa?

Un.. dó... li... tá... olha, eleições.