16.2.05

Libertação animal?



Ainda me lembro da primeira vez que vi numa livraria o livro de Peter Singer, "Libertação Animal". Mais um doido, pensei. Folheei e vi um tipo de argumentação típico dos filósofos anglo-saxónicos, e a frase "nenhuma diferença entre um animal humano e um animal não-humano". Logo, deveria ser proibido matar um porco nos mesmos termos em que o é matar um humano. E somos todos, afinal, Hannibal the Canibal. Ri-me e abri um livro de História.

Pois. Não devemos cuspir para o ar. Uns meses mais tarde, numa conversa que começou por ser uma conversa sobre o meu (e o do meu interlocutor) trabalho profissional, soube que estava a falar com uma jurista vegan (ou seja, um "vegetariano fundamentalista"). Aceitei (se ela não fosse uma rapariga bonita teria aceite tão facilmente?) ouvir os argumentos (se é que os havia). Ouvi-os. Não percebi quase nada. Fez-me impressão aquela convicção, tão forte como só costumo encontrar em pessoas religiosas. Pedi livros sobre isso e no dia seguinte levei para casa uma pilha de livros ingleses e americanos.

Como só me tinha acontecido uma vez anteriormente, uma coisa que comecei a ler mudou completamente a minha maneira de pensar. De facto havia argumentos, e irrefutáveis. Discutíveis para quem queira introduzir argumentos religiosos, do tipo "o homem é o rei da criação porque foi mandatado por deus". Mas irrefutáveis de um ponto de vista ético. Ou seja: se quisermos respeitar o princípio da não discriminação (tratar igualmente o que é igual), não há nenhuma razão para negar a um porco, a um gato ou a um cisne o direito à vida, se o reconhecermos a um homem que seja. Podemos, é claro, negar todos os direitos (é o que faz, inconscientemente, um tigre, por exemplo). Mas não podemos distinguir o que não tem fundamento racional para ser distinto.

Como me parece evidente, o argumento "gosto de bifes" não é um argumento eticamente aceitável.

Depois... ai, depois.. Durante uns meses fui um vegan consequente. Todos os meus amigos se enervaram comigo. ouvi coisas absolutamente ofensivas, ditas com a maior naturalidade e certamente ditadas pela estima. Soube o que é ser uma minoria discriminada. O meu problema era, além disso, a gula. EU gosto de bifes!!! Muita gente fazia questão de discutir receitas de strogonoff enquanto eu almoçava quatro folhas de alface. E não sei cozinhar. Ia para casa à noite (chego a casa geralmente tarde) com biscoitinhos de gengibre à minha espera. E às vezes descobria que tinha lido mal a embalagem e havia naqueles biscoitos, por exemplo, leite ou ovos. Pensei nas pessoas que estiveram presas injustamente. Pensei nos animais (mas eu não gosto particularmente de animais). Pensei que era indiferente ter ou não ter fome, porque tinha DECIDIDO não comer animais. Pensei que era um fraco. E um dia comi uma bolacha com ovo (tinha emagrecido três quilos, e três quilos representam para mim muito mais de 5%).

Hoje sou essa coisa vergonhosa que é um vegan não-praticante. Continuo a achar absolutamente injustificado matar um animal para comer ou para ter uma carteira em pele. Acho-me lamentável, mas não sei desistir de uma ideia porque não me dá jeito segui-la. Não gosto de dizer (estou a lembrar-me de um recente post da Gotika que aqui mencionei há dias, e de uma discussão sobre pecados que se lhe seguiu) que "não há pecados para que eu não seja pecador". Mas acho que faço isso (isto é, tenho essa atitude inconsequente) or orgulho (ou seja, mais um defeito) e não por verdadeira sinceridade. Além de seres fraco, digo a mim mesmo, gozas o orgulho de dizer "pelo menos intelectualmente sou perfeito".

E se não fosse cobarde, dizia porque é que escrevi isto hoje. (outro pecado, a preguiça: também é verdade que é tarde e ainda não jantei e isto já vai tão longo...)

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Como me indicaste, vim ver o teu post! Eu também já fui vegetariana, macrobiótica, mas nunca fui vegan. Tenho amigos que são. Eu fico-me pela mediania... Sou vegetariana macrobiótica que de vez em quando como umas sardinhas assadas ou um salmãozinho fumado. Cheguei à conclusão que não podemos ser fanáticos em nada. E este foi o meio termo que encontrei. Achei o post muito interessante. Aliás como tinha algum tempo andei a ler várias coisas coisas e gostei, apesar de tu te pores sempre numa posição de grande infelicidade...Caramba, porque é que te sentes sempre tão desamparado????
É uma posição real ou intelectual???

Bjitos

8/7/05 09:32  
Anonymous Anónimo said...

Luzinha, real (se tiver compreendido bem o que queres dizer - isto é, "verdadeiro", "não diletante"). Não "real" no sentido de me ter acontecido alguma desgraça grande. Pelo contrário, tenho na vida colhido uma sorte que me envergonha. Mas não é "desamparado", acho. E eu-no-mundo sou ("sou visto"?) um pouco diferente do Goldmundo que aqui sou. Se me contarem uma anedota não a trarei para cá. Aqui é um lugar de início. Um beijo.

9/7/05 04:56  
Anonymous Anónimo said...

Compreendo-te muito bem. Eu também sou tida por todos, amigos e familia como uma rocha....e como custa ser rocha... às vezes apetecia ter uma rocha para me apoiar e eu é que tenho que estar sempre em pé(se calhar até para não desiludir os outros da imagem que fizeram de mim!) mas pronto! A vida é visto e eu aceito-a como ela é. Como sou extrovertida, passado algum tempo, dou uma gargalhada, encolho os ombros, penso que sou parva se continuar ensimesmada e lá continuo sempre feliz da vida para os outros, às vezes não tanto para mim...
Isto de querer ser luz é fogo!
O que me vale mesmo é a fé, podes crer! Portanto sei como é. Pompa e circunstância umas vezes...outras necessidade de solidão...
Beijinho e vou curtir o sol e o mar...

10/7/05 10:04  

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