17.9.05

Ondas do mar de Vigo




Ondas do mar de Vigo, se vistes meu amigo? E ay Deus, se verra cedo!
Ondas do mar levado, se vistes meu amado ? E ay Deus, se verra cedo!
Se vistes meu amigo, o por que eu sospiro? E ay Deus, se verni cedo!
Se vistes meu amado, por que ey gran coydado? E ay Deus, se verra cedo!

MARTIN CODAX [trovador galego-portucalense - séc. XIII]

As ondas do mar (podia falar-te do vento norte, ou da chuva, ou do discreto voo da garça) são o que há no mundo mais perto de uma coisa a sentir, o que é o mesmo que dizer - mais perto de uma coisa que se fez sentido.

Há coisas quase-a-sentir, por isso às vezes sentimos que alguma coisa nos falta. Olhamos o mundo com olhos de mar, ondas do mar de Vigo que guardam o gesto aguardado. Mas à terra-longe da amada não chega a onda breve que somos. Não chega sentir, enquanto o sentido nos não for consentido. Por isso os deuses se fazem ao mar, por isso amar nos faz a nós.

(Afrodite nascida das ondas, diziam os gregos, Vénus amor feita de mar. O mar-amar está sempre entre, todo o gesto é um deus a entrar)

Às vezes penso no mistério das palavras. "Mar" em inglês fala de "ver" (the sea, to see), em português fala de amar (la mar, o mar? o mar foi sempre masculino na Galiza que também somos, feminino no resto das terras de Espanha...) E aprendo assim que não há ver que se não faça o amor mais inteiro. Atiramo-nos no mundo para aprender a ser a amada, para escutar o amigo. E deus sabe o que virá se nos encontrarmos, se uma noite nos responder o mar de Vigo. O mar levado, tão leve.

Podia falar-te do voo da garça.

[pintura: Ivan Aivazovsky, Entre as ondas. 1898]

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"todo o gesto é um Deus a entrar"
ficou-me esta frase!

obrigada

19/9/05 12:51  

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