23.8.04

Cidadela IV: para mim mesmo

Tu não receberás sinal nenhum, porque a marca da divindade de quem tu pretendes obter um sinal é o próprio silêncio. As pedras não sabem nem podem saber nada do templo que constituem. Nem o bocado de casca, da árvore que ele constitui na companhia de outros. Nam a árvore ou a moradia, da propriedade que compõem juntamente com outros. Nem tu, de Deus. Seria preciso que o templo aparecesse à pedra ou a árvore à casca, o que não tem sentido, pois a pedra não dispõe de linguagem em que o receber. A linguagem é da escala da árvore.

Vim a descobrir tudo isto depois daquela viagem até junto de Deus. Sempre sozinho, fechado em mim diante de mim. Não tenho esperança alguma de sair, por mim, da minha solidão. A pedra não tem esperança de ser outra coisa que não pedra. Mas ao colaborar congrega-se e torna-se templo.

Já não tenho a pretensão de esperar pela aparição do arcanjo, porque ou ele é invisível ou não é. E aqueles que esperam um sinal de Deus, é porque fazem dele um reflexo de espelho, onde não viriam a descobrir nada além deles próprios.

Saint-Exupéry, "Cidadela" (trad. de Ruy Belo)