29.6.07
27.6.07
Havia árvores do outro lado dos vidros e do outro lado dos muros, quase sempre não lhes podia chegar, não me queriam deixar e eu não sabia que desobedecer é possível. Olhar. Por elas e pelo meu olhar voando nelas fui aprendendo coisas de vidro e prendendo coisas nos muros de mim. Havia árvores que eram a pereira velha e a ameixoeira grande e o loureiro onde eu sabia que andavam formigas; havia a nogueira do quintal ao lado, onde as pegas gostavam de repousar; havia árvores mirradas e árvores mortas e árvores abafadas por trepadeiras e flores, comidas por insectos e misturadas com ferros e pedras e sombras e sóis. Havia os pássaros.
Devagar conheci as folhas e a sombra das folhas, e pensei que a sombra dos pássaros era parecida com o que andava em mim. Devagar os nomes e as histórias. Devagar a memória, que era a exaltação das raízes, e o sonho, que era a promessa das asas. Havia pássaros, e uma noite aprendi o mistério que a coruja invoca.
Como caíste do céu dos crescidos, criança, filha da Aurora?
26.6.07
Hoje vou falar sobre a vaca. A vaca é um mamífero e o seu concubino é o boi. E pouco mais sei sobre ela, de modo que vou falar da maré negra do mundo, tal como vou dizendo na Maré Negra que é o meu outro blog.
Há muitas pessoas que não sabem da maré negra, porque pensam que o mar tem mesmo esta cor de preto sujo. Há muitas pessoas que pensam que são fraquinhas. Muitas que pensam que vamos lá com alegria ou sorrisos ou amor ou o perfume das buganvílias. Mas há também muitas pessoas que não são pessoas que não deram pela maré negra: são pessoas que pensam que o seu barquinho há-de subir com a maré.
E para essas, mais valia a vaca.
25.6.07
As coisas todas tinham uma presença calada, e por isso nunca me sentia sem ninguém. No corredor grande, as jarras verdes tinham por mim um desprezo altivo (preciosidades, dizia a minha avó, diz o tio que são preciosidades; mas havias de ver a casa da prima Ilda, a casa da prima Carmo), e o espelho grande assustava-me com a sua moldura de pássaros pretos e o baú que guardava bonecas de loiça e braços soltos de bonecas (da tia Clara, contava-me a avó, quase todas da tia Clara, vieram do Brasil de barco). Outras coisas eram mais próximas, mais fáceis: a lareira em tijolo, o relógio inglês, os amarelos mosaicos da copa.
O mundo tinha coisas, de vez em quando um crescido falava-me. Menos a Maria José, que se ria alto e me pegava ao colo e tinha uma camisola cor de laranja e o cabelo preso atrás. Mas a Maria José um dia desapareceu (um dia em que a avó ficou com muitas dores de cabeça); e só muito depois soube que engravidara do José Moreno. Nessa altura lembrei-me de que a Ana Cozinheira dizia que a rapariga era um alho chocho, e não gostava de me ver ao colo dela.
Por trás do pássaros pretos guardava-se a chave da porta do jardim. Por trás dos pássaros pretos guardavam-se os segredos de crescer.
21.6.07
Quando era pequeno acreditava em árvores, como outros em anjos. E às vezes levantava-me de noite para ver se estava bem fechada a porta do quarto: não fosse entrar um leão grande. Quando era pequeno não sabia das falésias.
20.6.07
8.6.07
7.6.07
Não é o que estás a pensar. É só para confirmar que, a partir de agora, o que eu tenho a dizer sobre o estado do mundo volta a ser dito no meu outro blog. Maré Negra, um link ali do lado direito.
Já ontem avisei aqui - para o caso de interessar a alguém. Devo dizer que o Maré Negra tinha parado por causa da minha falta de tempo (a desculpa do costume) e por causa de um problema técnico que eu não sabia resolver e que o Blogger, milagrosamente, fez desaparecer numa das suas evoluções (acho eu).
Talvez a Ribeira se possa, assim, manter despoluída por mais algum tempo. Ou talvez as coisas se venham a confundir, como quase sempre acontece em mim.