29.6.07

Mirad alto





¿Qué cantan los poetas andaluces de ahora?

¿Qué miran los poetas andaluces de ahora?

¿Qué sienten los poetas andaluces de ahora?


Cantan con voz de hombre, ¿pero dónde los hombres?

con ojos de hombre miran, ¿pero dónde los hombres?

con pecho de hombre sienten, ¿pero dónde los hombres?


Cantan, y cuando cantan parece que están solos.

Miran, y cuando miran parece que están solos.

Sienten, y cuando sienten parecen que están solos.


¿Es que ya Andalucía se ha quedado sin nadie?

¿Es que acaso en los montes andaluces no hay nadie?

¿Que en los mares y campos andaluces no hay nadie?


¿No habrá ya quien responda a la voz del poeta?

¿Quién mire al corazón sin muros del poeta?

¿Tantas cosas han muerto que no hay más que el poeta?


Cantad alto. Oireis que oyen otros oídos.

Mirad alto. Veréis que miran otros ojos.

Latid alto. Sabréis que palpita otra sangre.


No es más hondo el poeta en su oscuro subsuelo

encerrado. Su canto asciende a más profundo

cuando, abierto en el aire, ya es de todos los hombres.


Rafael Alberti


dito por Alberti - no video - e cantado pelos Aguaviva, Aqui
pintura: viajante, de Caspar David Friedrich

27.6.07

Árvores (2)

Havia árvores do outro lado dos vidros e do outro lado dos muros, quase sempre não lhes podia chegar, não me queriam deixar e eu não sabia que desobedecer é possível. Olhar. Por elas e pelo meu olhar voando nelas fui aprendendo coisas de vidro e prendendo coisas nos muros de mim. Havia árvores que eram a pereira velha e a ameixoeira grande e o loureiro onde eu sabia que andavam formigas; havia a nogueira do quintal ao lado, onde as pegas gostavam de repousar; havia árvores mirradas e árvores mortas e árvores abafadas por trepadeiras e flores, comidas por insectos e misturadas com ferros e pedras e sombras e sóis. Havia os pássaros.

Devagar conheci as folhas e a sombra das folhas, e pensei que a sombra dos pássaros era parecida com o que andava em mim. Devagar os nomes e as histórias. Devagar a memória, que era a exaltação das raízes, e o sonho, que era a promessa das asas. Havia pássaros, e uma noite aprendi o mistério que a coruja invoca.

Como caíste do céu dos crescidos, criança, filha da Aurora?

26.6.07

A vaca

Hoje vou falar sobre a vaca. A vaca é um mamífero e o seu concubino é o boi. E pouco mais sei sobre ela, de modo que vou falar da maré negra do mundo, tal como vou dizendo na Maré Negra que é o meu outro blog.

Há muitas pessoas que não sabem da maré negra, porque pensam que o mar tem mesmo esta cor de preto sujo. Há muitas pessoas que pensam que são fraquinhas. Muitas que pensam que vamos lá com alegria ou sorrisos ou amor ou o perfume das buganvílias. Mas há também muitas pessoas que não são pessoas que não deram pela maré negra: são pessoas que pensam que o seu barquinho há-de subir com a maré.

E para essas, mais valia a vaca.

25.6.07

Pássaros pretos

As coisas todas tinham uma presença calada, e por isso nunca me sentia sem ninguém. No corredor grande, as jarras verdes tinham por mim um desprezo altivo (preciosidades, dizia a minha avó, diz o tio que são preciosidades; mas havias de ver a casa da prima Ilda, a casa da prima Carmo), e o espelho grande assustava-me com a sua moldura de pássaros pretos e o baú que guardava bonecas de loiça e braços soltos de bonecas (da tia Clara, contava-me a avó, quase todas da tia Clara, vieram do Brasil de barco). Outras coisas eram mais próximas, mais fáceis: a lareira em tijolo, o relógio inglês, os amarelos mosaicos da copa.

O mundo tinha coisas, de vez em quando um crescido falava-me. Menos a Maria José, que se ria alto e me pegava ao colo e tinha uma camisola cor de laranja e o cabelo preso atrás. Mas a Maria José um dia desapareceu (um dia em que a avó ficou com muitas dores de cabeça); e só muito depois soube que engravidara do José Moreno. Nessa altura lembrei-me de que a Ana Cozinheira dizia que a rapariga era um alho chocho, e não gostava de me ver ao colo dela.

Por trás do pássaros pretos guardava-se a chave da porta do jardim. Por trás dos pássaros pretos guardavam-se os segredos de crescer.

21.6.07

Árvores

Quando era pequeno acreditava em árvores, como outros em anjos. E às vezes levantava-me de noite para ver se estava bem fechada a porta do quarto: não fosse entrar um leão grande. Quando era pequeno não sabia das falésias.

20.6.07

Lisboa na Maré Negra . Que pena.

8.6.07


E devagar a noite acorda as águas.

7.6.07

Death in June

Não é o que estás a pensar. É só para confirmar que, a partir de agora, o que eu tenho a dizer sobre o estado do mundo volta a ser dito no meu outro blog. Maré Negra, um link ali do lado direito.

Já ontem avisei aqui - para o caso de interessar a alguém. Devo dizer que o Maré Negra tinha parado por causa da minha falta de tempo (a desculpa do costume) e por causa de um problema técnico que eu não sabia resolver e que o Blogger, milagrosamente, fez desaparecer numa das suas evoluções (acho eu).

Talvez a Ribeira se possa, assim, manter despoluída por mais algum tempo. Ou talvez as coisas se venham a confundir, como quase sempre acontece em mim.

6.6.07

Lisboa na Maré Negra, aqui

4.6.07


às vezes vejo-me de fora.